O artigo é de Amira Hass*
Os grupos rivais palestinos sabem usar tanto a resiliência como a criatividade de seu povo para enfrentar diariamente a tortura que é a dominação externa. Mas eles não ajudam a traduzir essa capacidade de resistência pessoal e coletiva numa estratégia de luta popular desarmada.
O Hamas e a OLP são reféns de seu falso status como dois governos cuja existência e manutenção se tornaram um fim em si mesmo. Não tivessem desistido de seu povo como um fator decisivo, as duas forças rivais os teriam escutado, e antes de qualquer outra coisa teriam encontrado uma maneira de encerrar o comando duplo.
A verdadeira concessão da liderança palestina está no seu povo ocupado como uma força ativa na luta pela independência. Para isso não é preciso que vaze documentos.
Na verdade, os “Palestine Papers” [“Documentos Palestinos”, vazados pela cadeia de TV Al Jazeera] confirmam um segredo aberto. Ao contrário das declarações recitadas em público, as liderança da OLP e a Autoridade Palestina estão preparadas para concessões muitíssimo maiores, no santo graal da posição palestina tradicional: o direito de retorno dos refugiados da “nakba” palestina de 1948.
“Quando exigimos uma solução dos dois estados não queremos dizer dois estados palestinos”, disse-me um experiente membro do Fatah, a respeito da questão do direito de retorno dos refugiados de pré-1967 a Israel. Se a OLP tivesse respeitado o seu povo não estaria falando alto de ambos os lados com sua boca, mas conduzindo um debate aberto a respeito dessa demanda. Teria compartilhado suas conclusões com seu público (que estão em casa ou no exílio): o sonhado direito de retorno não é possível, ao menos no atual momento na história, e que não é justo continuar a manter quatro milhões de pessoas refugiadas em campos com esse propósito. Outros teriam respondido que sob o manto das negociações e a despeito das concessões palestinas, Israel simplesmente segue expandindo os seus assentamentos, de todo jeito.
Não são problemas técnicos que impedem um debate democrático assim, mas o fracasso em ver o povo como agente de mudança.
A OLP depende da generosidade e da diplomacia das nações ocidentais que cooperam com a política de ocupação. O Hamas, adicto da luta armada e suas pretensas conquistas é dependente das doações de suas próprias fontes, e está esperando pela derrubada dos regimes árabes pró-Ocidente por meio dos movimentos islâmicos radicais.
Os rivais palestinos sabem como usar tanto a resiliência como a criatividade do seu povo frente à tortura diária que é a dominação externa. Mas eles não ajudam a traduzir essa resistência pessoal e coletiva numa estratégia de luta popular desarmada.
Uma estratégia de luta popular é um compromisso diário, primeiro e antes de tudo de quem quer que se apresente como líder. Essa é a única opção que restou depois dos desastres causados pelas negociações amadoras dos anos 90, e do uso das armas, sobretudo contra civis na última década. Israel prova cotidianamente o quanto perigosa é essa opção para a ocupação, senão não estaria investindo tanto no esforço de sua repressão.
Mas a estratégia de uma luta popular geral não apenas em cinco cidades exemplares não aceita as benesses do poder de que a OLP e a liderança do Fatah tem usufruído e que são diretamente dependentes dos vistos de viagem da Administração Civil e dos contratos da USAID.
Então, a Autoridade Palestina está ficando entrincheirada como um canal de pagamento de salários e uma elite desconectada de seu povo. Onde estão os membros do Conselho Revolucionário do Fatah? Onde estão os membros do Comitê Executivo da OLP? Por que eles não estão disseminando a palavra da luta popular em outras partes da Cisjordânia?
E quando se trata do Hamas, o potencial democrático de atividades populares esbarra no caráter militar desenvolvido pelo movimento, com a obediência intelectual que exige, como mostra seu estilo de comando em Gaza.
O Hamas e a OLP são reféns de seu falso status como dois governos cuja existência e manutenção se tornaram um fim em si mesmo. Não tivessem desistido de seu povo como um fator decisivo, as duas forças rivais os teriam escutado, e antes de qualquer outra coisa teriam encontrado uma maneira de encerrar o comando duplo.
Os EUA fazem exigências e estabelecem condições? O Irã e a Irmandade Muçulmana sussurram instruções? Com licença, as duas lideranças diriam, há um povo cuja opinião deve ser considerada.
(*) Amira Hass é jornalista israelense, colunista do Haaretz.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior | 29/01/2011
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