26 janeiro, 2009

"Palestina" de Mahmoud Darwich

só me resta
perder-me pela tua sombra, que é a minha.
só me resta
habitar a tua voz, que é a minha.

afastei-me da cruz estendida
como claridade em horizonte que não se inclina
até ao mais minúsculo monte que a vista alcança
mas não achei minha ferida, minha liberdade.

porque não sei onde moras
não encontro o caminho,
e porque meu dorso não se apoia em ti com pregos
inclinei-me tanto
como teus céus fazem
a quem espreita de escotilhas de avião

devolve-me os pedaços do meu nome
para que possa convocar as fibras das árvores
devolve-me as letras do meu rosto
para que possa chamar as tempestades próximas
devolve-me as razões do meu prazer
para que possa invocar esse regresso sem razão

porque a minha voz está seca como pau de bandeira
e a minha mão vazia como o hino nacional
porque a minha sombra é ampla como se fora uma festa
e os traços do meu rosto se passeiam de ambulância,
porque eu não sou mais do que isto:
o cidadão de um reino que não nasceu ainda.

Mahmud Darwich (Palestina, 1942) - Tradução de Adalberto Alves.
In. “Palestina: A saga de um Povo”, Al-Khudayri, Tariq, Hugin Editores, 2002.
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Mahmoud Darwich nasceu em 1941 em Al-Birwa, um povoado da Galileia que a sua família foi obrigada a abandonar, para fugir para o Líbano, quando ele tinha apenas sete anos.

A localidade foi destruída na guerra ocorrida após a criação do Estado de Israel e que marcou o início da perseguição de todo o Povo palestino.

Este exílio forçado marcou toda sua obra e forjou o seu compromisso político, que cumpriu até à sua morte.

Após ter retornado do Líbano com a família, Darwich morou em várias regiões palestinas e foi preso, por diversas vezes, pelas autoridades israelitas por causa dos seus escritos e da sua actividade política contra a ocupação.

Com 22 anos, publicou Leaves of Olives (Folhas de Oliveira), - o primeiro dos 20 livros de poesia que escreveu, junto a outros cinco de prosa -e cedo se tornou um membro da Organização de Libertação da Palestina de Yasser Arafat.
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Em 1970, foi mais uma vez obrigado a abandonar a sua terra exilando-se, primeiro em Moscovo, e depois em várias capitais árabes, até chegar a Ramala.

Até sua morte, ele conseguiu conciliar a política e a poesia com determinação, embora nem sempre com facilidade.

Em várias ocasiões memoráveis, fundiu esses dois mundos como, por exemplo, quando se sentou para escrever o discurso de Arafat à Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1974, onde incluiu a famosa frase:

"Hoje, cheguei trazendo um ramo de oliveira e a arma de um lutador pela liberdade. Não deixem que o ramo de oliveira caia da minha mão. "

Foi o autor da Declaração da Independência da Palestina, em 1988, o que lhe valeu, junto com sua obra em defesa da liberdade e da sua terra, a alcunha de "poeta da resistência", apesar de também ter escrito sobre a vida e o amor.

Darwich fez parte do comité executivo da OLP, cargo ao qual renunciou em protesto contra os Acordos de Oslo, em 1993.

Morreu no passado dia 10 de Agosto de 2008, por o seu coração já não poder conter a vida.

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