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30 janeiro, 2009

Uma parábola sobre o “terrorismo”

Adalberto Alves[i], na apresentação, datada de 2002, da obra “Palestina: A saga de um Povo[ii]” de Tariq Al-Khudayri, escreveu a seguinte parábola:


“Como é sabido, na Península Ibérica, antes da chegada dos Árabes, em inícios do século VIII, reinava um povo godo, de origem germânica, os Visigodos. O território do que é hoje Portugal fez, também, durante cerca de três séculos, parte desse Império Visigótico. Os Godos consideravam a Hispânia como a sua pátria indisputada, situação que se manteve até virem a ser obliterados pelo domínio muçulmano.

Suponha-se agora que, num país qualquer do centro da Europa, tinha subsistido, até hoje, uma minoria identificável como goda e que, objecto de discriminação e repressão nesse tal país, tinha, em parte, optado pela diáspora.

Como os Godos ansiavam pela criação de um lar comum, constituíram um lobby de pressão em todo o mundo, no sentido de a ONU decidir arranjar-lhes um território para a constituição de um Estado Godo.

Discutido o assunto e olhando à relevância, no passado, do Império Visigótico na Península Ibérica, a ONU decidiu que seria nela o local correcto para a instalação da Godolândia.

A Espanha opôs-se tenazmente desde logo e, como Portugal era a parte mais fraca em questão e tinha escassa população, foi-lhe imposta a abdicação de uma parte do seu território para a instalação da Godolândia: 50% do mesmo, ou seja, todo o território a norte do Tejo. O sul ficaria para Portugal, sendo Lisboa Oriental goda e Lisboa Ocidental portuguesa.

Com o apoio de diversos países e num curto prazo, começou imediatamente o êxodo de godos em direcção ao território que lhes fora atribuído, apesar dos protestos e da oposição generalizada dos Portugueses.

Os invasores, mediante a força e a intimidação, não tardaram em ocupar cidades e campos, colonizando mediante expulsão as melhores zonas: Porto, Braga, Coimbra, Leiria, Santarém e outras foram, assim, parar às suas mãos. E à menor resistência à ocupação, as casas dos portugueses eram arrasadas para a instalação dos colonatos. Deste modo, a soberania de metade do território português passou para a mão dos Godos que impuseram, aos portugueses do norte, uma nova bandeira e uma nova língua. Em suma, haviam perdido a sua pátria.

A brutalidade da repressão goda causou numerosas mortes e, em breve, mais de dois milhões de portugueses foram deslocados das suas terras e muitos deles forçados a fugir para Espanha, Marrocos e outros países onde passaram a vegetar em miseráveis campos de refugiados.

Portugal, virtualmente, viria a desaparecer do mapa, já que o sul do território, encabeçando a resistência contra a usurpação goda, rapidamente foi invadido pelos novos senhores, que apenas deixaram nas mãos dos Portugueses a parte leste do Alentejo e uma faixa de terreno junto ao mar, que passou a chamar-se a Faixa de Palmela.

Por outro lado, os portugueses que ficaram a viver ou a trabalhar na Godolândia não passavam de cidadãos de 2.ª categoria, ou de mão de obra barata para os Godos.

Os Portugueses, quase abandonados pela comunidade internacional, haviam sido forçados a reconhecer o novo Estado, passando a bater-se, ao menos, pelo reconhecimento da sua soberania total no território alentejano oriental e na Faixa de Palmela. Porém, a Godolândia nem isso aceitava, argumentando que tal iria ameaçar a sua segurança.

A ONU através da Assembleia-geral, emitia resoluções atrás de resoluções, condenando o expansionismo godo, mas nenhuma acção era levada a cabo pelo Conselho de Segurança, uma vez que os E. U.A., tendo apoiado e armado a Godolândia até aos dentes, vetavam todas as tomadas de decisão favoráveis a Portugal.

E foi assim que os Portugueses, despojados das suas terras, casas e pátria, se viram condenados ao desespero num exíguo território, onde viviam em condições infra-humanas e de onde toda a esperança parecia ter fugido. No exílio, os que haviam partido sonhavam com um longínquo regresso e, como símbolo desse sonho, guardavam a chave da casa que há muito haviam deixado para trás: quem sabe, um dia voltariam ao lar ...

Os Portugueses iniciavam uma longa e dolorosa luta pela sua dignidade, apesar da desproporção de meios perante o poderoso inimigo. Tinham quase só, como armas, a revolta e a dádiva da própria vida, pois, tendo perdido tudo, já nada tinham a perder.

Passaram a ser chamados de terroristas.

Acabou-se a parábola!”

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[i] José Adalberto Coelho Alves nasceu em Lisboa, a 18 de Julho de 1939, de uma ancestralidade onde se entrecruzam celtas e árabes.

Poeta, ensaísta escritor, orientalista, tradutor de árabe para português e conferencista, Aldalberto Alves, licenciou-se em Direito, exercendo ainda hoje advocacia.


Frequentou também o Conservatório Nacional e a Academia dos Amadores de Música, tendo estudado violino e guitarra clássica.


O seu interesse pela cultura muçulmana levou-o a estudar Língua Árabe na Universidade Nova de Lisboa, curiosidade que se alarga à História e Cultura Árabico-Islâmicas.


Neste âmbito está ligado a várias instituições, sendo actualmente Presidente do Conselho Geral do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves.


Tem vasta obra publicada, poesia, contos e ensaios destacando-se os trabalhos que dedicou ao sufismo e à poesia luso-árabe, alguns deles fazendo parte de obras de referência, estrangeiras e nacionais, da especialidade.


Entre os títulos dedicados ao mundo árabe, referem-se:



  • Arabesco (Da Música Árabe e da Música Portuguesa), ensaio, 1989



  • O Meu Coração é Árabe, (A Poesia Luso-Árabe), poesia, 1998



  • Ibn‘Ammâr Al-Andalusî - O drama de um poeta, Biografia e poesia, 2000
    (Em co-autoria com Hamdane Hadjadji)
  • Al-Mu‘tamid, Poeta do Destino, poesia, 2004
  • Em Busca da Lisboa Árabe, ensaio, 2007
  • Irão, Viagem ao País das Rosas, poesia, 2008
  • Portugal e o Islão Iniciático, ensaio, 2008
Em 2008, também dá à estampa "No Vértice da Noite", mais um livro de poesias, cuja apresentação remeto para as palavras de Elsa Rodrigues dos Santos.
Adalberto Alves foi distinguido em 2008 com o prémio Sharjah 2008 para a cultura árabe, atribuído pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
O prémio visa distinguir personalidades, grupos ou instituições que tenham contribuído de forma significativa para o desenvolvimento, difusão e promoção da cultura árabe no mundo, bem como para a preservação e a revitalização do património cultural imaterial árabe.

No caso de Adalberto Alves, director do Centro de Estudos Luso-Árabe, em Silves, a UNESCO enalteceu-o por ter “inspirado muitos escritores portugueses e espanhóis [um deles o romancista Pedro Plasencia, autor de El Tiempo de los Cerezos] a divulgar a história da cultura árabe do Gharb al-Andalus”.
Actualmente está a preparar um dicionário de palavras portuguesas com origem árabe (toponímia, antroponímia, léxico corrente e empréstimos semânticos), a publicar durante este ano,
Igualmente irão para o prelo durante esta Primavera:



  • As Sandálias do Mestre , 3ª edição revista e aumentada
  • Escritos do Crescente

[ii]
Palestina - A Saga de um Povo
Al-Khudayri, Tariq Hugin Editores, 2002. ISBN: 9727941370 / 972-794-137-0EAN: 9789727941377

26 janeiro, 2009

"Palestina" de Mahmoud Darwich

só me resta
perder-me pela tua sombra, que é a minha.
só me resta
habitar a tua voz, que é a minha.

afastei-me da cruz estendida
como claridade em horizonte que não se inclina
até ao mais minúsculo monte que a vista alcança
mas não achei minha ferida, minha liberdade.

porque não sei onde moras
não encontro o caminho,
e porque meu dorso não se apoia em ti com pregos
inclinei-me tanto
como teus céus fazem
a quem espreita de escotilhas de avião

devolve-me os pedaços do meu nome
para que possa convocar as fibras das árvores
devolve-me as letras do meu rosto
para que possa chamar as tempestades próximas
devolve-me as razões do meu prazer
para que possa invocar esse regresso sem razão

porque a minha voz está seca como pau de bandeira
e a minha mão vazia como o hino nacional
porque a minha sombra é ampla como se fora uma festa
e os traços do meu rosto se passeiam de ambulância,
porque eu não sou mais do que isto:
o cidadão de um reino que não nasceu ainda.

Mahmud Darwich (Palestina, 1942) - Tradução de Adalberto Alves.
In. “Palestina: A saga de um Povo”, Al-Khudayri, Tariq, Hugin Editores, 2002.
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Mahmoud Darwich nasceu em 1941 em Al-Birwa, um povoado da Galileia que a sua família foi obrigada a abandonar, para fugir para o Líbano, quando ele tinha apenas sete anos.

A localidade foi destruída na guerra ocorrida após a criação do Estado de Israel e que marcou o início da perseguição de todo o Povo palestino.

Este exílio forçado marcou toda sua obra e forjou o seu compromisso político, que cumpriu até à sua morte.

Após ter retornado do Líbano com a família, Darwich morou em várias regiões palestinas e foi preso, por diversas vezes, pelas autoridades israelitas por causa dos seus escritos e da sua actividade política contra a ocupação.

Com 22 anos, publicou Leaves of Olives (Folhas de Oliveira), - o primeiro dos 20 livros de poesia que escreveu, junto a outros cinco de prosa -e cedo se tornou um membro da Organização de Libertação da Palestina de Yasser Arafat.
.
Em 1970, foi mais uma vez obrigado a abandonar a sua terra exilando-se, primeiro em Moscovo, e depois em várias capitais árabes, até chegar a Ramala.

Até sua morte, ele conseguiu conciliar a política e a poesia com determinação, embora nem sempre com facilidade.

Em várias ocasiões memoráveis, fundiu esses dois mundos como, por exemplo, quando se sentou para escrever o discurso de Arafat à Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1974, onde incluiu a famosa frase:

"Hoje, cheguei trazendo um ramo de oliveira e a arma de um lutador pela liberdade. Não deixem que o ramo de oliveira caia da minha mão. "

Foi o autor da Declaração da Independência da Palestina, em 1988, o que lhe valeu, junto com sua obra em defesa da liberdade e da sua terra, a alcunha de "poeta da resistência", apesar de também ter escrito sobre a vida e o amor.

Darwich fez parte do comité executivo da OLP, cargo ao qual renunciou em protesto contra os Acordos de Oslo, em 1993.

Morreu no passado dia 10 de Agosto de 2008, por o seu coração já não poder conter a vida.