31 agosto, 2010

Público - Difíceis problemas para as negociações israelo-palestinianas

Público - Difíceis problemas para as negociações israelo-palestinianas por * Mariano Aguirre | 27/08/2010

Trancrição integral pelo seu interesse

A base de um acordo seria voltar à divisão do território anterior à guerra de 1967 e aos pormenores combinados em 2000

As conversações directas que vão principiar a 2 de Setembro entre Israel e a Autoridade Palestiniana, e que foram anunciadas triunfalmente pelos Estados Unidos na sexta-feira passada, encontrarão dificuldades muito sérias. O objectivo declarado de Washington, que serve de medianeiro, é chegar num ano à chamada solução dos dois Estados, que estabeleça um Estado palestiniano em parte da Cisjordânia (internacionalmente conhecido por Cisjordânia; mas a que os judeus chamam Samaria e Judei) e em Gaza, com Jerusalém Oriental como capital.

A base de um acordo seria voltar à divisão do território que existia antes da guerra de 1967 e aos pormenores combinados em 2000, denominados os Parâmetros de Clinton. O ex-Presidente norte-americano impulsionou os encontros entre israelitas e palestinianos que, à última hora, não resultaram. Um possível acordo implicaria:

a. O fim da ocupação da Cisjordânia por Israel. Mais de 40 por cento desta zona está ocupada por colonos israelitas que vivem em 131 colonatos (100 considerados ilegais pelas próprias autoridades israelitas, mas que não foram evacuados). Em alguns casos os colonatos são cidades de até 40.000 habitantes. Informalmente foi proposto que se realizariam trocas de território, para não desmantelar esses colonatos. Noutros casos, o Governo israelita ofereceria aos seus habitantes indemnizações e novos locais para habitar. A população palestiniana da Cisjordânia é de aproximadamente 2.407.681 habitantes, enquanto os colonos totalizam 310.200. Os nacionalistas religiosos são uma parte muito poderosa da sociedade israelita que se oporá fortemente a abandonar os colonatos.

b. O regresso total ou parcial, ou indemnizações, para os refugiados palestinianos que foram expulsos das suas terras e propriedades nas guerras entre Israel e diversos países árabes, em 1948 e 1967. Entre os sobreviventes dessas duas vagas de refugiados e os seus descendentes o número ascende a mais de quatro milhões, que vivem, muitos deles, em condições precárias, em campos de refugiados na Cisjordânia, Gaza, Líbano, Jordânia, Síria, Iraque e outros países.

c. Declarar a parte árabe e oriental da cidade de Jerusalém capital do Estado palestiniano, e que a comunidade internacional aceite que a parte ocidental seja a capital de Israel. Também neste caso os colonos israelitas, que ocuparam e estão a ocupar casas e terrenos em diversos bairros e em zonas periférias que fazem parte de Jerusalém seriam relocalizados ou teriam que aceitar viver numa zona sob soberania árabe. Segundo dados oficiais de Israel, 194.000 judeus habitam em bairros anexados por Israel e considerados parte de Jerusalém.

d. O Estado palestiniano teria competências para a sua segurança interna, mas estaria desmilitarizado. Isto significa que não teria armas pesadas que pudessem servir para um ataque a Israel.

Gaza converteu-se numa questão especial. Tomada desde 2007 pelo movimento Hamas, não foi possível até agora que se alcançasse um acordo com a Autoridade Palestiniana. Por um lado, seria incompleto negociar e eventualmente alcançar um acordo sobre a declaração de um Estado palestiniano sem Gaza, onde vive mais de um milhão de palestinianos. Por outro, a Autoridade Palestiniana poderia negociar com Israel e em paralelo, ou posteriormente, negociar com o Hamas a partir de uma posição mais forte.

Segundo informação que circulou nos últimos dias em meios da imprensa árabe, o Presidente Barack Obama teria exercido uma dura pressão sobre o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o Presidente Mahmud Abbas para que aceitem conversações directas. A Autoridade Palestiniana manteve nos últimos meses que enquanto não acabar a construção de novos colonatos e a expulsão de palestinianos das suas casas não voltaria a falar com Israel.

Pressionado pelos Estados Unidos, o Governo israelita declarou em Novembro passado uma moratória, com diversas excepções, na política de ampliar ou criar novos colonatos, moratória que termina no dia 26 de Setembro. Todos os membros da direita e ultradireita da coligação do Governo israelita, com a excepção do Partido Trabalhista, pressionam Netanyahu para que não prorrogue a moratória. Esse será o primeiro obstáculo para as negociações, já que a Autoridade Palestiniana possivelmente se retira ou ameaça retirar-se se isso acontecer.

Um segundo obstáculo é o pedido de Israel de obter as máximas garantias de segurança. O Governo de Netanyahu alega que depois da retirada de Israel de Gaza e do Líbano se verificaram ataques com mísseis a partir dessas zonas. No caso de as forças de Israel se retirarem da Cisjordânia, como é que se garantiria a segurança? Israel quer que os palestinianos só se ocupem da segurança interna. Um argumento acrescentado é que mais de 60 por cento da população jordana é palestiniana e que, portanto, a fronteira ao longo do rio Jordão se tornaria muito insegura.

Outro argumento de Israel é que a Autoridade Palestiniana, apesar das reformas e avanços que estão a ser feitos pelo primeiro-ministro Salam Fayyad, não é fiável. "Que aconteceria se, como aconteceu em Gaza, o Hamas tomasse o poder na Cisjordânia?", perguntava-me recentemente um professor em Telavive.

O fantasma do Hamas funciona, neste sentido, de duas formas negativas. Se se formasse um governo de unidade nacional entre a Fatah e o Hamas, então Israel considera que seria perigoso. Mas se o Hamas continuar a controlar Gaza, então Israel alega que não pode negociar só com uma parte dos palestinianos. Ao mesmo tempo, o Governo israelita não dialoga com o Hamas por o considerar um grupo terrorista que procura a destruição do Estado de Israel.

O terceiro obstáculo é o regresso dos refugiados. Para Israel negociar o regresso terá que aceitar que em 1948 e 1967 houve expulsão de palestinianos, algo que oficialmente nunca foi admitido. A tese histórica oficial é que os árabes palestinianos fugiram instigados pelos Governos dos países vizinhos, que os alarmaram ou os instigaram a fugir alegando que ao terminar a guerra poderiam voltar. Historiadores israelitas colocaram isto em questão, indicando que se verificou uma expulsão premeditada usando o medo e o terror. Para qualquer Governo palestiniano aceitar que não haja reconhecimento do direito de regresso é um passo difícil de assumir, mas que possivelmente se poderia conseguir em troca de recuperar a Cisjordânia. Para um Governo israelita aceitar que houve expulsões em 1948 e 1967 é colocar em questão a legitimidade do momento de nascimento do Estado.

O quarto obstáculo é o pedido do Governo israelita de que a Autoridade Palestiniana reconheça o carácter judaico do Estado de Israel. Para os palestinianos, isto supõe legitimar que os refugiados nunca poderão recuperar as propriedades que perderam e, além disso, coloca em perigo a situação dos cidadãos árabes que têm nacionalidade ou residência israelita, e que vivem em Israel. A população judaica de Israel é de 5.726.000 habitantes (75,5 por cento); os árabes israelitas são 1.548.000 (20,4 por cento).

O quinto grande problema é Jerusalém, dado que Israel reafirmou que está fora de questão negociar o seu estatuto e o controlo israelita. Como afirmou em 2009 o primeiro-ministro Netanyahu: "Jerusalém não é um colonato mas sim a capital histórica de Israel".

Estes não são os únicos problemas, mas se se conseguir superar o dia 26 de Setembro, e os Estados Unidos e o Quarteto (União Europeia, Estados Unidos, Nações Unidas e Rússia) mantiverem uma firme posição a favor da solução dos dois Estados, então talvez se possa avançar para outros escalões igualmente complexos.  


Multiculturalism and Its Discontents | Big Questions Online

Multiculturalism and Its Discontents | Big Questions Online

Porquê que a esquerda desculpa os abusos religiosos baseada no relativismo cultural?

Um artigo de Susan Jacoby. A não perder

A solução de dois-estados nas conversações de paz é a única alternativa na falta de melhor por Tobias Buck

FT.com / Middle East - Two-state solution at peace talks is only game in town

Uma análise de Tobias Buck, desde Jerusalém, para o Financial Times a ter em consideração, porque reflecte a forma utilitária de olhar para o tema, bem patente nesta frase:

"Palavras apenas - mesmo que proferidas pela ONU - não tirarão as tropas e os colonos israelitas da Cisjordânia, nem um palácio presidencial palestino em Jerusalém Oriental. Somente um acordo com Israel o poderá concretizar..."

De facto o descrédito da ONU e da justiça internacional chegou a um tal ponto que já nem se tem em conta os direitos dos povos e a justiça que lhes cabe.

Eu sei que palavras não são suficientes - apesar de tantas vezes fazerem a diferença - mas caberia aos países que defendem o Estado de direito, a democracia e a justiça dizerem basta!

Há coisas que nunca deveriam chegar à mesa de negociações. Nestes mais de sessenta anos já estiveram lá e até foram decididas. Os israelitas não podem continuar a comer a piza que era suposto negociar e sentarem-se a mesa, periodicamente, a discutir os restos, cada vez mais exíguos.

A ocupação é ilegal á luz do direito internacional e os colonatos também. As fronteiras de 1967 estão definidas e as de Jerusalém também. A questão da ligação de Gaza à Cisjordânia já está resolvida desde Oslo, Israel é que nunca cumpriu.

Que falta: A "segurança" de Israel... e dos palestinos... que seria assegurada por uma força de intreposição, com definição clara de fronteiras e da "terra de ninguém" para não existrem incidentes como tem acontecido na fronteira com o Libano por mau desempenho, em minha opinião, da FINUL. Acertos territoriais mais em benefício de Israel do que dos palestinos. Mas haverá sempre um "preço" a pagar. E a questão dos refugiados. Não tem vindo os judeus a cobrar as reparações que lhe são devidas, pelos crimes a que estiveram sujeitos. Assim se faça com os refugiados palestinos

Que falta ainda: A vontade inabalável da comunidade internacional de impor a Lei e a Ordem internacional. Começando com um programa calendarizado, firme e em crescendo. Num primeiro tempo chamando os embaixadores de forma concertada, e assim gradativamente até às sanções económicas e ao bloqueio total.

Pronto. Não gritem mais. Já acordei.

De todas as formas: a ler.

Campanha: "Portugal deve Ratificar a Convenção contra os Desaparecimendos Forçados" para que esta entre em vigor.

Participe! Envie uma carta, por e-mail, por fax ou pelos correios, pedindo ao governo da República Portuguesa que ratifique a Convenção contra os Desaparecimentos Forçados.

Em 30 de Agosto de 2010 celebrou-se o vigésimo sétimo Dia Internacional dos Desaparecidos.

Os governos utilizam os desaparecimentos forçados como uma ferramenta de repressão para calar a dissidência e eliminar qualquer oposição política, assim como para perseguir grupos étnicos, religiosos e políticos.

Com o objectivo de combater esta grave violação dos direitos humanos, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou, em 20 de Dezembro de 2006, a Convenção Internacional para a Protecção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados.

A Convenção obriga os Estados a responsabilizarem legalmente toda a pessoa implicada num desaparecimento forçado. Reconhece o direito dos familiares de conhecer a verdade sobre o destino de uma pessoa desaparecida e a obter reparação. Também exige que os Estados instaurem firmes salvaguardas para as pessoas privadas de liberdade, para as que procurem pelas pessoas desaparecidas e, caso essas pessoas desaparecidas tenham falecido, localizem e restituam os seus restos mortais.

Assinaram a Convenção, até ao momento 83 países, com os "faltosos" do costume, entre os quais eu destaco: China, E.U.A, Israel, Reino Unido, Rússia.

A Convenção entrará em vigor quando for ratificada por 20 países.

Em 3 de Agosto de 2010, o Paraguai foi o décimo nono país a ratificá-la. Falta apenas mais uma assinatura para a Convenção entrar em vigor.

Os outros 18 países, colocados por ordem cronológica de ratificação e onde destaquei os que pertencem à UE, são: Albânia, Argentina, México, Honduras, França, Senegal, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Uruguai, Nigéria, Mali, Japão, Alemanha, Espanha, Equador, Burquina Faso e Chile,

Eu sei que a entrada em vigor desta Convenção é apenas mais um pequeno passo, mas porquê não ser Portugal a dá-lo?

Envie uma carta, por e-mail (gsg.geral@mne.pt), por fax (213946070) ou pelos correios (ver endereço em pé de página), pedindo ao governo da República Portuguesa que ratifique a Convenção contra os Desaparecimentos Forçados o mais rapidamente possível. A título de exemplo a carta que eu já enviei:

Exmo. Ministro
Dr. Luís Filipe Marques Amado
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros,


Dirijo-me a V. Ex.ª para pedir que o governo português ratifique a Convenção Internacional para a Protecção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados.

Como sabe, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou este tratado por consenso em 20 de Dezembro de 2006 (A/RES/61/177) e Portugal logo a assinou em 6 de Fevereiro de 2007.

A Convenção será uma ferramenta útil para auxiliar a evitar os desaparecimentos forçados, a determinar a verdade sobre estes crimes, punir os responsáveis e oferecer reparações às vítimas e seus familiares.

Como muitas pessoas continuam sendo vítimas de desaparecimento forçado em todo o mundo, a rápida entrada em vigor da Convenção e a sua ratificação e aplicação efectiva em todos os países deve ser uma prioridade para a comunidade internacional.

Actuando decisivamente, o nosso país poderia figurar entre os 20 primeiros países a ratificar a Convenção e a desempenhar, assim, um papel decisivo para sua entrada em vigor.

A ratificação da Convenção contra os Desaparecimentos Forçados constituiria um sinal inequívoco de que o nosso governo está decidido a erradicar esta gravíssima violação de direitos humanos.

Portanto, solicito que o nosso governo:

- Assine e ratifique a Convenção o mais cedo possível ou se integre nela directamente, sem reservas que limitem o seu alcance,

- Formule as declarações previstas nos artigos 31.º e 32.º da Convenção, reconhecendo assim a competência do Comité contra o Desaparecimento Forçado para considerar comunicações de particulares e de Estados-Parte, e

- Adopte as medidas necessárias para aplicar, de maneira efectiva, a Convenção, à escala nacional, imediatamente após a sua ratificação.

Agradecendo, desde já, a sua atenção para este importante assunto, fico na expectativa de uma sua resposta.

Com os melhores cumprimentos,


(Indicando: Nome, morada, e-mail, e B.I.)

Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Dr. Luís Filipe Marques Amado
Ministério dos Negócios Estrangeiros
Palácio das Necessidades
Largo do Rilvas
1399-030 Lisboa
Portugal
Fax: 00351 213946070
E-mail: gsg.geral@mne.pt
Saudação: Ex.º Ministro

Dia Internacional dos Desaparecidos. Falta uma ratificação para a Convenção entrar em vigor. Podia ser de Portugal

Ontem, 30 de Agosto, o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre os Desaparecimentos Forçados ou Involuntários comemorou o Dia Internacional dos Desaparecidos .

Em todo o mundo, eventos foram organizados pelas famílias e associações de vítimas para lembrar aqueles que sofreram o terrível destino de desaparecerem. No entanto, o Grupo de Trabalho considera que este dia deve ser comemorado por todos.
É gratificante verificar que o Conselho dos Direitos Humanos aceitou a recomendação do Grupo de Trabalho para que o dia 30 de Agosto seja proclamado o Dia Internacional dos Desaparecidos.

O Grupo de Trabalho apoia o apelo lançado pelo Conselho de Direitos Humanos à Assembleia Geral da ONU para, anualmente, reconhecer este dia. Isto criaria uma ocasião para esses actos hediondos serem especialmente notados.

Trinta anos após a criação do Grupo de Trabalho, que será comemorado num evento a ter lugar em Genebra a 5 de Novembro deste ano, condenamos o facto de que os desaparecimentos forçados continuem a ocorrer em todo o mundo. 

O Grupo de Trabalho reitera a sua solidariedade com as vítimas, as suas famílias e todos os que trabalham sobre este assunto. 

Prestamos homenagem aos muitos parentes das vítimas, aos defensores dos direitos humanos, às organizações não-governamentais, aos advogados e a outros indivíduos e grupos que trabalham incansavelmente e, muitas vezes em circunstâncias difíceis para denunciar os casos de desaparecimento forçado, descobrir o destino ou o paradeiro dos desaparecidos, e trabalhar para erradicar essa prática terrível. 

Convidámos todos os governos a apoiar os esforços dos que trabalham em desaparecimentos forçados e a tomar todas as medidas possíveis para protegê-los e a terceiros, incluindo testemunhas desses crimes.

Para acabar com a prática de desaparecimentos forçados os Estados devem continuar a promover e dar pleno efeito à Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados (1992).

Definindo o desaparecimento forçado como um delito penal distinto e autónomo e aproximando as legislações nacionais à conformidade com a Declaração contribuiriam significativamente para a prevenção e erradicação desta prática odiosa. O Grupo de Trabalho está pronto para ajudar os Estados nos seus esforços para dar pleno efeito a Declaração.

A actividade do Grupo de Trabalho está dependente da cooperação dos governos. O papel dos Estados na investigação de casos de desaparecimento forçado é essencial para determinar o destino ou o paradeiro de pessoas desaparecidas. O Grupo de Trabalho apela aos governos para que cooperem plenamente com ele e tomem todas as medidas possíveis para lidar com os casos de desaparecimento forçado, independentemente de quando ocorreu o desaparecimento, de quem eram as vítimas ou de quem são os criminosos.

Os Estados devem trazer todos os responsáveis por estes crimes à justiça; absterem-se de qualquer acto de intimidação ou represália contra aquelas pessoas que contribuem para a erradicação deste crime e combatam a impunidade, onde quer que exista.

O Grupo de Trabalho nota com agrado que, recentemente, num certo número de países, muito tem sido feito para investigar os desaparecimentos. Também é gratificante verificar que em vários estados houve condenações para aqueles que intervieram em desaparecimentos forçados e que, nalguns casos, indemnizações tenham sido pagas às vítimas ou aos seus familiares. Porém mais deve ser feito para processar os criminosos, prover a reparação integral às vítimas e familiares, e para preservar a memória.

O Grupo de Trabalho recorda que, como observou no seu Comentário Geral, recentemente lançado acerca do Direito à Verdade em Relação aos Desaparecimentos Forçados, o direito à verdade implica o direito de saber sobre o andamento e os resultados de uma investigação, o destino ou o paradeiro das pessoas desaparecidas, as circunstâncias do desaparecimento e a identidade do autor (es). 

O Grupo de Trabalho salienta que o direito à verdade deve ser desfrutado por todas as vítimas de desaparecimento forçado, bem como por outras pessoas afectadas pelos desaparecimentos forçados. A reconciliação entre o Estado e as vítimas de desaparecimento forçado e / ou as suas famílias não pode suceder sem o esclarecimento de cada caso individualmente.

O Grupo de Trabalho verificou com satisfação que, até 30 de Agosto de 2010, 83 Estados assinaram e 19 ratificaram a Convenção Internacional para a Protecção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados ( International Convention for the Protection of All Persons from Enforced Disappearance - 2006). [Portugal, nesta data, ainda não tina ratificado a Convenção]

A ratificação ou a adesão de apenas mais um Estado-membro é necessária para que a Convenção entrar em vigor.

A implementação da Convenção, e o nascimento da Comissão de Desaparecimentos Forçados, irá reforçar as capacidades dos Estados para reduzir o número de desaparecimentos e ajudará a compreender as exigências das vítimas e dos seus familiares por justiça e verdade. 

O Grupo de Trabalho insta aos Estados que ainda não assinaram e / ou ratificaram a Convenção a fazê-lo o mais rapidamente possível. Além disso, insta os Estados a aceitar a competência do Comité sobre os Desaparecimentos Forçados para receber e examinar comunicações de ou em nome das pessoas nos termos do artigo 31.º e do mecanismo de denúncia inter-estatal nos termos do artigo 32.º da Convenção.

Fonte: UN Press Release - 2010.08.30

30 agosto, 2010

A coragem de dizer NÃO! Artistas israelitas recusam actuar nos colonatos em território palestiniano ocupado

[Quando coloquei a palavra "coragem" no título, é para salientar que hoje é preciso ter coragem de tomar posição pública em Israel contra os colonatos. ]

O governo de Netanyahu não se coíbe de utilizar a figura da "segurança do Estado" para assediar e reprimir quer organizações, quer activistas que defendam os direitos e liberdades cívicas e os direitos humanos, e sejam claramente contra a ocupação ilegal dos territórios palestinos e a existência de colonatos nesses territórios, contra as políticas de apartheid e contra o racismo, acarinhadas pela clique "nacional"-sionista que detém o poder. Para além disso existem bandos de arruaceiros, ao bom estilo nazi-fascista, que persseguem e maltratam cidadãos de Israel, nas ruas, nos seus locais de trabalho ou nas suas casas, com total impunidade.]

Mais de 50 artistas bem conhecidos em Israel assinaram uma petição onde garantem que não vão actuar no colonato judeu de Ariel ou noutros locais da Cisjordânia.

Ariel é uma das maiores povoações ilegalmente construídas em território palestiniano, com 18 mil habitantes.

No documento os actores, realizadores, e dramaturgos afirmam que se os habitantes de Ariel quiserem ir ao teatro vão ter que viajar até Tel Aviv.

Esta posição está a gerar grande controvérsia em Israel, a dias do recomeço das negociações directas em Washington, em que a questão dos colonatos é umas das mais difíceis.

O dramaturgo e encenador Joshua Sobol, um dos artistas signatários da petição, explicou ao jornalista Nuno Felício a sua posição.


Em 2010-08-29 11:50:57

Colonos recordam a Netanyahu promessas de recomeçar as construções

Segundo a EFE o conselho dos colonatos judaicos da Cisjordânia retomou hoje, um dia antes do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu partir para Washington para as negociações de paz com os palestinos, uma campanha para que ele cumpra a sua promessa de continuar as construções nas colónias implantadas em territórios ocupados da Palestina.

Os anúncios, que aparecem nos principais jornais israelitas lembram as promessas, tanto de Netanyahu, em Dezembro do ano passado, como a de outros ministros ao longo do ano, que o congelamento de dez meses declarado por Israel é único e improrrogável quando chegar ao seu fim, no dia 26 de Setembro.

Lançada pela primeira vez em Julho pelo chamado Conselho da Judeia, Samaria e Gaza, ou "Conselho de Yesha", os anúncios são apoiados há semanas por gigantescos cartazes colocados nos principais cruzamentos e ruas de Israel, exortando o povo para que exija dos seus políticos o cumprimento das suas promessas.

Netanyahu não tem intenção de anunciar a continuação da moratória por motivos políticos internos, mas não se descarta que a continue em silêncio.

O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, advertiu, de novo, ontem à noite Israel para que não construa nos colonatos se quer que as negociações de paz, que começam na próxima quinta-feira em Washington cheguem a bom termo.

29 agosto, 2010

Israel é o "membro" mais dispendioso da União Europeia

Público.es - Israel es el 'miembro' más ruinoso de la UE  - 2010.08.16

Leia porquê.

Entretanto Israel goza do estatuto de parceiro preferencial da União Europeia, apesar de o exército israelita destruir, vezes sem conta, o que os impostos europeus financiam na Palestina.

Epic Fail: Peace Talks Without Hamas by MJ Rosenberg

MJ Rosenberg: Epic Fail: Peace Talks Without Hamas

Interessante. A ler...

Acerca de um artigo publicado no NY Times por Ali Abunimah, que, para ele, só por ter sido publicado na edição de Domingo já é notícia.Ele explica porquê.

"Resumindo: as negociações desta semana não vão, provavelmente, a lado nenhum, porque (1) O Hamas é excluído e (2) os Estados Unidos estão no bolso de Netanyahu."

OLP condena incitamento do líder espiritual do Shas ao genocídio

Hoje, o chefe negociador palestino [da Organização para a Libertação da Palestina (OLP)], Dr. Saeb Erekat, convidou o governo israelita para que denuncie e tome as medidas adequadas contra o constante incitamento e racismo israelita contra os palestinos.

O apelo do Dr. Erekat surge após comentários feitos por Ovadia Yosef, líder espiritual do partido Shas, durante o seu sermão semanal. O partido de Yosef, o Shas, é um dos principais membros da coligação [em que se apoia] o governo de Netanyahu.

No seu sermão, Yosef afirmou que o presidente Mahmoud Abbas e o resto do povo palestino deviam "desaparecer" deste mundo. Em 2001, Yosef pediu a aniquilação de todos os árabes.

"O líder espiritual do Shas está literalmente a pedir um genocídio contra os palestinos e não parece haver nenhuma resposta do governo israelita", acrescentando que "ele está pedindo especificamente o assassinato do presidente Abbas, que dentro de poucos dias vai estar sentado cara-a-cara com o primeiro-ministro Netanyahu. É assim que o Governo israelita prepara o seu povo para um acordo de paz? "

"Enquanto a OLP está pronta para retomar as negociações com seriedade e boa fé, um membro do governo israelita está a exigir a nossa destruição. É um insulto a todos os nossos esforços para fazer avançar o processo de negociações. "

O Dr. Erekat concluiu convidando o Governo israelita para "fazer mais pela paz e parar de espalhar o ódio.

Este tipo de incitamento faz parte da política global de Israel contra um Estado palestino, que também inclui as suas actividades ilegais de colonização, mudanças forçadas e despejos, demolições de casas, roubo de água, e a separação de Jerusalém ocupada dos seus habitantes palestinos. Todas têm o mesmo objectivo destrutivo. Apelamos à comunidade internacional para condenar o incitamento ao genocídio por figuras públicas em Israel. "

Rabi do Shas, partido no governo de Israel, apela ao assassinato político e ao genocídio

Israel: Rabi ultra-ortodoxo pede que se acabe com Abbas e com todos os palestinianos - Mundo - PUBLICO.PT


Um apelo claro ao assassinato de Mahmoud Abbas e ao genocídio do povo palestino, por parte do rabi Ovadia Yosef.

Ele é "apenas" o líder e "pai" espiritual do partido Shas, partido não democrático, onde as decisões políticas são tomadas por ele, e que é, neste momento, em termos relativos de votantes, o terceiro partido de Israel

O Shas é um dos apoios do Governo de coligação de Netanyahu e nele se encontra representado através do seu presidente Eli Yishai, um dos quatro vice-primeiros-ministros e Ministros do Interior, de Ariel Atlas, Ministro da Habitação e da Construção, de Yakov Margi, Ministro dos Serviços Religiosos e de Meshulam Nahari, Ministro sem pasta.

Ou seja é um associado importante de um governo que se vai sentar cara-a-cara com o homem, Mahmoud Abbas, a quem o seu "pai" espiritual deseja a morte. O representante de um povo que este pretende ver desaparecer da face da terra.

Israel a "única democracia do Médio Oriente", como pomposamente se proclama, tem representantes que apelam ao assassinato político e ao genócidio de um povo. Obviamente que estes senhores nunca serão catalogados como terroristas, serão quanto muito gente de "coração puro".

A OLP, através do Dr. Saeb Erekat, já respondeu a esta declaração convidando o governo israelita a tomar posição e afirmando que:

"Enquanto a OLP está pronta para retomar as negociações com seriedade e boa fé, um  [líder de um] associado do governo israelita está a exigir a nossa destruição. É um insulto a todos os nossos esforços para fazer avançar o processo de negociações. "

O Dr. Erekat concluiu convidando o Governo israelita para "fazer mais pela paz e parar de espalhar o ódio e afirmando:.

"Este tipo de incitamento faz parte da política global de Israel contra um Estado palestino, que também inclui as suas actividades ilegais de colonização, mudanças forçadas e despejos, demolições de casas, roubo de água, e a separação de Jerusalém ocupada dos seus habitantes palestinos. Todas têm o mesmo objectivo destrutivo. Apelamos à comunidade internacional para condenar o incitamento ao genocídio por figuras públicas em Israel. "

Paz israelo-palestiniana? Uma opinião do Gen. Loureiro dos Santos

Paz israelo-palestiniana? - Loureiro dos Santos - Correio da Manhã

Loureiro dos Santos analisa brevemente a quem não interessa a paz no Médio Oriente: Aos radicais do governo de Telavive, aos extremistas do Hamas e aos países sunitas enquanto permanecer a ameaça hegemónica do Irão sobre o Golfo/Médio Oriente.

E não arriscando um prognóstico indicia a morte anunciada destas conversações.

Mas o perigo mais próximo e dominante será o Irão ou a eclosão da revolta de um povo que mais uma vez irá ver postergados os seus inalienáveis direitos à autodeterminação, à liberdade e à paz?

E falhando as negociações não falharão antes do mais Obama e os restantes parceiros do Quarteto, nomeadamente a União Europeia, quanto à sua política de contemporização com o continuado desrespeito das leis internacionais, das decisões dos órgãos de regulação internacional, do direito humanitário e dos direitos humanos por parte de Israel?

É tempo de o movimento de solidariedade com o povo palestino e pela paz e segurança na região se unir e definir um programa conjunto de acção. Há que entretecer os pequenos fios de solidariedade numa só bandeira: a da Paz.

Palestina: The Humanitarian Monitor - Jul 2010 - UN OCHA oPT

Sumário:

Seis palestinos foram mortos, em todo o Território Ocupado da Palestina, e 85 outros ficaram feridos.

Julho marcou o sexto aniversário do parecer do Supremo Tribunal de Israel sobre o Muro, e a OCHA e a OMS emitiram um novo relatório, destacando o impacto da barreira no acesso dos palestinos aos serviços de saúde.

As autoridades israelitas intensificaram as demolições em vários pontos da Área C e em Jerusalém Oriental, desalojando ou afectando mais de 550 palestinos.

As exportações e as importações de material de construção permanecem sob restrições mas houve uma melhoria na capacidade dos palestinos para procurarem tratamento médico fora de Gaza.


Palestina: Relatório Semanal | 18-24 de Agosto de 2010 da UN OCHA oPt

Sumário:

Quatro palestinos feridos em todo o Território Ocupado da Palestina.

Na Cisjordânia, a violência israelita continua.

Prédio demolido pelos seus proprietários em Jerusalém Oriental; Não houve demolições na zona C.

Idade limita o acesso dos palestinos às orações de sexta-feira do Ramadão em Jerusalém Oriental.

Milhares de estudantes afectados pela escassez de salas de aula.

Em Gaza, as restrições à terra e ao mar continuam.

O impacto da flexibilização permanece limitado.

Escassez de combustível e crise na electricidade continuam.

O Relatório Semanal sobre a Protecção das Pessoas Civis é produzido pelo United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs (OCHA).

28 agosto, 2010

Vermelho e verde, por Uri Avnery (ou o Movimento de Boicote Internacional)

,Título original: Red and Green by Uri Avnery*, August 28, 2010

O Canal 10, um dos três canais de TV de Israel, exibiu nesta semana uma reportagem que certamente terá assustado muitos telespectadores. O seu título era: "Quem está organizando o Movimento Mundial do ódio contra Israel?", E o seu tema: as dezenas de grupos que, em vários países, estão realizando uma vigorosa campanha de propaganda a favor dos palestinos e contra Israel.

Os activistas entrevistados, tanto homens como mulheres, jovens e velhos - um número considerável deles judeus – protestando em supermercados contra os produtos dos colonatos e / ou de Israel, em geral, organizando grandes comícios, fazendo discursos, a mobilizando sindicatos, processando, perante a justiça, políticos e generais israelitas.

Segundo a reportagem, os vários grupos usam métodos semelhantes, mas não existe uma liderança centralizada. Citam (sem referir a fonte, é claro) o título de um dos meus últimos artigos, "Os Protocolos dos Sábios do Anti-Sião" e também afirmam que não existe tal coisa. Na verdade, não há necessidade de uma organização mundial, ele diz, porque em todo o lado existe um impulso espontâneo de sentimentos pro-palestinos e anti-israelitas. Recentemente, na sequência da operação ”Cast Lead” [agressão à Faixa de Gaza] e do incidente com a flotilha [humanitária, em águas internacionais a 31 de Maio], este processo ganhou ímpeto.

Em muitos lugares, revela a reportagem, existem agora coligações vermelho-verde: a cooperação entre movimentos dos direitos humanos de esquerda e grupos locais de imigrantes muçulmanos.

A conclusão da história: este é um grande perigo para Israel, e temos que nos mobilizar contra isto antes que seja tarde demais.

A primeira pergunta que surgiu na minha mente foi: qual o impacto que vai ter esta reportagem sobre o israelita típico?

Eu queria ter a certeza de que isto faria com que ele ou ela pensassem novamente sobre a viabilidade da ocupação. Como um dos activistas entrevistados afirmou: os israelitas devem ser levados a compreender que a ocupação tem um preço.

Eu gostaria de acreditar que esta seria a reacção da maioria dos israelitas. No entanto, receio que o efeito poderá ser muito diferente.

Como a alegre canção dos anos 70 entoa: "O mundo inteiro está contra nós / O que não é tão terrível, nós venceremos. / Para nós, não tem importância / para eles também. / / ... Aprendemos esta canção / Dos nossos antepassados / E vamos também cantá-la / Para os nossos filhos. / E os netos dos nossos netos irão cantá-la / Aqui, na Terra de Israel, / E todo mundo que está contra nós / Pode ir para o inferno. "

O autor desta canção, Yoram Taharlev ("puro de coração") conseguiu expressar uma crença básica judaica, cristalizada ao longo dos séculos de perseguição na Europa cristã, que atingiu o seu clímax durante o Holocausto. Cada criança judia aprende na escola que, quando seis milhões de judeus foram assassinados, o mundo inteiro olhava e não levantou um dedo para salvá-los.

Isso não é absolutamente verdade. Muitas dezenas de milhares de não-judeus arriscaram as suas vidas e as vidas das suas famílias para salvar os judeus - na Polónia, na Dinamarca, em França, na Holanda e noutros países, mesmo na própria Alemanha. Todos nós conhecemos pessoas que foram salvas desta forma - como o ex-presidente do Supremo Tribunal Aharon Barak, que quando criança foi contrabandeado para fora do gueto por um agricultor polaco, e o ministro Yossi Peled, que esteve escondido, durante anos, por uma família católica belga. 

Apenas alguns destes heróis, em grande parte desconhecidos, foram citados como "Justos entre as Nações" pelo Yad Vashem. (Entre nós, quantos israelitas numa situação similar arriscariam as suas vidas e as vidas dos seus filhos, para salvar um estrangeiro?)

Mas a crença de que "o mundo inteiro está contra nós" está profundamente enraizada na nossa psique nacional. Isso permite-nos ignorar a reacção do mundo ao nosso comportamento. É muito conveniente. Se o mundo inteiro nos odeia de uma maneira ou de outra, a natureza das nossas acções, boas ou más, não importa realmente. Eles iriam odiar Israel, mesmo se fôssemos anjos. Os Goyim são apenas anti-semitas. [Goyim: termo em yiddish que significa não-judeus, gentios, utilizado normalmente de forma depreciativa (sing. Goy)]

É fácil mostrar que isso também é falso. O mundo nos amou, quando fundámos o Estado de Israel e o defendemos com o nosso sangue. Um dia depois da Guerra dos Seis Dias, o mundo inteiro nos aplaudiu. Eles nos amaram, quando éramos David, eles nos odeiam quando somos Golias.

Isso não convence o mundo-contra-nós. Porquê que não há movimentos mundiais contra as atrocidades dos russos na Chechénia, ou dos chineses no Tibete? Porquê que só contra nós? Porquê que os palestinos merecem mais simpatia do que os curdos na Turquia?

Qualquer um pode responder que desde que Israel exigiu tratamento especial em todas as outras questões, estamos a ser avaliados por normas especiais quando se trata da ocupação e dos colonatos. Mas a lógica não importa. São os mitos nacionais que contam.

Ontem, o terceiro maior jornal de Israel, o Ma'ariv, publicou uma história sobre o nosso embaixador nas Nações Unidas sob o revelador título: "Atrás das linhas inimigas".
Lembro-me de um dos confrontos que tive com Golda Meir no Knesset, após o início da colonização e das reacções de zanga por todo o mundo. Como agora, as pessoas puseram toda a culpa no nosso deficiente "esclarecimento”. O Knesset realizou um debate geral.

Orador após orador declamavam os clichés do costume: a propaganda árabe é brilhante, o nosso "esclarecimento" é desprezível. Quando chegou a minha vez, disse: Não é culpa do "esclarecimento". A melhor "explicação" no mundo não pode "justificar" a ocupação e os colonatos. Se queremos ganhar a simpatia do mundo, não são as nossas palavras que devem mudar, mas as nossas acções.

Ao longo do debate, Golda Meir - como era seu costume - parou à porta da sala de plenário, fumando cigarro-atrás–de-cigarro. Resumindo, ela respondeu a todos os oradores, por sua vez, ignorando o meu discurso. Pensei que ela havia decidido boicotar-me, quando - após uma pausa dramática - ela se virou na minha direcção. "Deputado Avnery pensa que eles nos odeiam por causa do que fazemos. Não conhece os Goyim. Os Goyim gostam dos judeus quando eles são espancados e miseráveis. Eles odeiam os judeus quando são vitoriosos e bem sucedidos." Se, no Knesset, fosse permitido bater palmas todo o Parlamento teria explodido em aplausos.

Existe o perigo de que o protesto em curso por todo o mundo enfrente a mesma reacção: que a opinião pública israelita se una contra os diabólicos Goyim, em vez de se unir contra os colonos.

Alguns dos grupos de protesto não fazem qualquer diferença. As suas acções não são dirigidas ao público israelita, mas à opinião pública internacional.

Não me refiro aos anti-semitas, que estão tentando apanhar uma boleia do movimento. São uma força insignificante. Nem àqueles que acreditam que a criação do Estado de Israel foi um erro histórico, para começar, e que deve ser desmantelado.
Eu quero dizer todos os idealistas que querem acabar com o sofrimento do povo palestiniano e do roubo das suas terras pelos colonos, e ajudá-los a fundar o Estado livre da Palestina.

Estes objectivos podem ser alcançados somente através da paz entre a Palestina e Israel. E essa paz só pode acontecer se a maioria dos palestinos e a maioria dos israelitas a apoiar. A pressão vinda de fora não será suficiente.

Qualquer um que entende isto deve estar interessado num protesto mundial que não empurre a população israelita para os braços dos colonos, mas, ao contrário, isole os colonos e volte a população em geral contra eles.

Como pode isso ser alcançado?

A primeira coisa é diferenciar claramente entre o boicote aos colonatos e um boicote geral a Israel. A reportagem da TV sugere que muitos dos manifestantes não vê a fronteira entre os dois. Ela mostrou uma mulher de meia-idade britânica num supermercado, agitando algumas frutas acima da cabeça e gritando: "Isto vêm de um colonato!" Em seguida, mostrou uma manifestação contra os produtos cosméticos Ahava que são extraídas da parte palestina do Mar Morto. Mas logo depois, veio um apelo para um boicote de todos os produtos israelitas. Talvez muitos dos manifestantes - ou os editores do filme - não tenham claro a diferença.

A direita israelita também dilui essa distinção. Por exemplo: uma recente proposta de lei apresentada no Knesset quer punir aqueles que defendem um boicote aos produtos de Israel, incluindo - como se afirma explicitamente - os produtos dos colonatos.

Se o protesto mundial está claramente centrado nos colonatos, irá certamente obrigar que muitos israelitas compreendam que há uma linha clara entre o Estado legítimo de Israel e a ocupação ilegítima.

Isso também é válido para outras partes da história. Por exemplo: a iniciativa de boicotar a empresa Caterpillar, cujas monstruosas bulldozers são uma arma importante da ocupação. Quando a heróica activista da paz Rachel Corrie foi esmagado até a morte sob uma delas, a empresa deveria ter parado todos os fornecimentos adicionais a menos que assegurasse que elas não seriam utilizadas para repressão.

Enquanto suspeitos de crimes de guerra não forem julgados em Israel, ninguém se pode opor às iniciativas para processá-los no exterior.

Após a decisão tomada esta semana pelas principais companhias de teatro de Israel de actuar nos colonatos, será lógico boicotá-las no exterior. Se eles estão tão empenhados em fazer dinheiro em Ariel, não se podem queixar de perder dinheiro em Paris e Londres.

A segunda coisa é a ligação entre estes grupos e o povo israelita.

Hoje a grande maioria dos israelitas declaram que querem paz e estão dispostos a pagar o preço, mas que, infelizmente, os árabes não querem a paz. A principal corrente do campo da paz, que já trouxe centenas de milhares para a rua, está em estado de depressão. Sente-se isolada.

Entre outras coisas, a sua antes estreita ligação com os palestinos, que foi criada na época de Yasser Arafat depois de Oslo, tornou-se muito frouxa. Assim tem relações com as forças de protesto no exterior.

Se as pessoas de boa vontade querem acelerar o fim da ocupação, devem apoiar os activistas da paz em Israel. Devem construir uma relação estreita com eles, quebrar a conspiração do silêncio contra eles no mundo da media e divulgar as suas corajosas acções, organizar mais eventos internacionais em que os activistas da paz palestinos e israelitas estejam presentes lado a lado. Também seria bom se para cada dez bilionários que financiam a extrema-direita em Israel, houvesse pelo menos um milionário que apoiasse a acção em busca da paz.

Tudo isto se torna impossível se houver um apelo para um boicote a todos os israelitas, independentemente das suas opiniões e acções, e Israel é apresentado como um monstro monolítico. Esta imagem não é apenas falsa, é extremamente prejudicial.

Muitos dos activistas que aparecem nesta reportagem desperta respeito e admiração. Tanta boa vontade! Tanta coragem! Se eles apontarem suas actividades na direcção certa, podem fazer muito bem - bem para os palestinos, e bem para nós, israelitas, também.

* Colunista israelita, ex-membro do Knesset (Parlamento) israelita, e chefe do bloco de paz da esquerda israelita, “Gush Shalom”. 

HOJE! Sabádo, 28 de Agosto, no Largo do Camões, às 18:00: A vida de Sakineh Ashtiani está nas nossas mãos

Sakineh Mohamadi Ashtiani

103 cidades vão unir-se hoje num protesto global contra a lapidação e a pena de morte, apelando pela vida de Sakineh Ashtiani. É às 18 horas, no Largo Camões. Contamos todos.


Apesar de não saber quem lançou a iniciativa em Portugal - de que tive conhecimento, por acaso, através da crónica de Fernanda Câncio, publicada ontem no DN - espero que seja um sucesso (eu estou fora por isso não poderei participar) e que corporize os princípios definidos pela ICAE, que desde já subscrevo.

Liberdade para Sakine Ashtiani
Não às Lapidações
Não às Execuções
Nunca Mais
Em Todo o Mundo.

Pedindo

  • A revogação da execução/lapidação de Sakineh Mohamadi Ashtiani e a sua imediata e incondicional libertação;
  • A revogação Total e Universal das execuções e das lapidações porque configuram crimes de Estado;
  • A prisão e julgamento dos dirigentes da República Islâmica do Irão responsáveis por 31 anos de execuções, lapidações e torturas;
  • A libertação imediata e incondicional de todos os presos políticos Iranianos.

Apelando

À solidariedade dos amantes da Liberdade de todo o Mundo para com o povo do Irão no seu esforço para derrubar o regime Islâmico e para instaurar uma sociedade livre e igualitária

Pode assinar este apelo aqui.

27 agosto, 2010

Use os seus direitos para acabar com a pobreza! Um apelo da Amnistia Internacional



Mais de 1 bilião de pessoas em todos os continentes vivem em “bairros de lata”.

Mais de meio milhão de mulheres morrem em cada ano de complicações relacionadas com a gravidez e o parto – uma em cada minuto.

Todos os dias, em todas as regiões do mundo, as pessoas que vivem na pobreza são discriminadas – quer através de actos individuais de outros, quer pela discriminação institucional do Estado.

Nós [Amnistia Internacional] temos provas de violações de direitos humanos que aprofundam a pobreza.

Trata-se de violações dos direitos humanos que levam à discriminação, à exclusão, a mulheres que morrem durante o parto, ao despejo das suas casas, à segregação nas escolas, ou a mulheres que morrem durante a gravidez por falta de acesso aos cuidados de saúde.

Por todo o mundo, temos provas documentadas de violações dos direitos humanos que têm mantido as pessoas pobres. Juntas, essas violações dos direitos humanos e as provas destacam o mau estado dos progressos realizados para atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

Em Setembro de 2010, líderes mundiais se reunir-se-ão na Cimeira dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas de Desenvolvimento do Milénio (ODM) para acelerar os progressos para alcançar os ODM até 2015. A Amnistia Internacional estará presente, para através da sua voz exigir um maior enfoque na protecção dos direitos humanos como a solução para a pobreza global.

Assine a petição até 10 de Setembro e iremos entregar a sua assinatura aos Presidentes da Cimeira dos  Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.


Quais são os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio?

Em Setembro de 2000, chefes de Estado e de Governo de 189 países, incluindo Portugal, reuniram-se nas Nações Unidas. Ali assinaram a Declaração do Milénio, comprometendo-se a lutar contra a pobreza e fome, a desigualdade de género, a degradação ambiental e o vírus do VIH/SIDA. Assumiram ainda o compromisso de melhorar o acesso à educação, a cuidados de saúde e a água potável.

Para avaliar o cumprimento daquele compromisso, foram estabelecidos 8 Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), a alcançar até 2015:
  • Reduzir para metade a pobreza extrema e a fome
  • Alcançar o ensino primário universal
  • Promover a igualdade de género e empoderar as mulheres
  • Reduzir em dois terços a mortalidade infantil
  • Reduzir em 75% a mortalidade materna
  • Combater o VIH/SIDA, a malária e outras doenças graves
  • Garantir a sustentabilidade ambiental
  • Fortalecer uma parceria global para o desenvolvimento

N.B.: As Nações Unidas tem um site, em português, de informação e apelo à acção, sobre o tema "Objectivo 2015 - Campanha do Milénio das Nações Unidas" dirigido a apoiar esta campanha em Portugal.

26 agosto, 2010

Israel não coopera com investigação do Conselho dos Direitos Humanos da ONU

Um funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU) informou na passada terça-feira, 24, que Israel não está a cooperar com a Comissão de Investigação nomeada a 23 de Julho, pelo Conselho de Direitos Humanos, para investigar o incidente, ocorrido em 31 de Maio, quando uma força naval israelita interceptou, em águas internacionais, uma frota que seguia para a Faixa de Gaza com ajuda humanitária, e abordou violentamente um dos navios de pavilhão turco, o Mavi Marmara, provocando a morte de nove activistas que seguiam a bordo, oito turcos e um turco-americano e dezenas de feridos.

Juan Carlos Monge, que é o responsável por acompanhar os peritos investigadores da Comissão, disse que estavam a entrevistar testemunhas e a dialogarem com as autoridades da Turquia e da Jordânia, mas, afirmou, que a Comissão só poderá falar com os soldados israelitas envolvidos no ocorrido se tiver autorização do governo de Israel.

Israel não fez comentários a esse respeito, mas desde a criação desta Comissão fontes oficiais israelitas mostraram pouca vontade de cooperar.

A comissão apresentará as suas conclusões no próximo dia 27 de Setembro.

Recorde-se que o episódio causou revolta na comunidade internacional e fez com que as relações entre Turquia e Israel, anteriormente aliados, se deteriorasem gravemente. 

O incidente também fez com que as atenções internacionais se voltassem para o bloqueio de Israel à Faixa de Gaza, obrigando Israel a uma alteração na sua política quanto à entrada de bens essenciais e de mercadorias no território palestino – altamente aleatória e restritiva quer quanto à quantidade, quer quanto à variedade.

Esta alteração é uma mera tentativa para alterar a percepção da opinião pública mundial quanto a este crime no tocante aos direitos humanitários e os direitos humanos. No entanto esta “revisão” tem mostrado até agora um alcance bastante limitado, conforme se pode verificar consultando os relatórios semanais da agência das Nações Unidas, OCHA, quanto à situação nos territórios palestinos ocupados.

Por outro lado Israel continua a restringir as exportações e a mobilidade das pessoas.

Neste momento Israel conduz uma investigação interna sobre o caso, através de uma comissão nomeada pelo governo, a Comissão Turkel, que depois de alguma pressão se viu obrigado a ampliar os poderes dessa comissão e a nela integrar dois observadores estrangeiros, também eles escolhidos entre “amigos”. Solução que continua a ser julgada insatisfatória por sectores da sociedade israelita.

Esta investigação, que foi montada para não responder a uma exigência internacional para a realização de uma investigação independente, segue-se a uma outra realizada no âmbito militar cujas conclusões se restringiram aos erros de planeamento e execução deixando de lado as vítimas.

Existem ainda duas outras comissões a investigar o incidente

Uma da Turquia, de nomeação governamental, e outra recém-nomeada (a 2 de Agosto) pelo Secretário-Geral da ONU, numa tentativa clara, em minha opinião, de minimizar o trabalho e os eventuais resultados da comissão de especialistas independentes nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos.

Essa comissão aliás só avançou após ter recebido o acordo de Israel, que por certo condicionou directamente, ou indirectamente através dos E.U.A., a sua composição e assim os seus resultados.

Aliás basta atentar na sua composição – não de especialistas mas sim de políticos – onde campeia como vice-presidente, um estrénuo aliado dos interesses norte-americanos na América do Sul: Alváro Uribe.

De facto, voltando um pouco atrás, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU nomeou em 23 de Julho, uma comissão de inquérito internacional independente, de peritos, ao ataque israelita ao comboio naval de ajuda humanitária, face à inacção do secretário-geral Ban Ki-moon, que ia dilatando no tempo a sua obrigação de nomear a comissão de inquérito a que estava obrigado por deliberação do Conselho de Segurança, de 1 de Junho.

Entretanto esta decisão "obrigou" Ban Ki-moon, em meu entendimento, para tentar "controlar" o processo, a finalmente nomear uma nova comissão, passados 60 (sessenta) dias.

É que a nomeação de uma comissão de investigação internacional e independente não ia de encontro dos melhores interesses de Israel e logo dos Estados Unidos e dos seus aliados.

Os resultados de uma tal investigação poderão ser tão ou mais ruinosos para a credibilidade de Israel do que os do “Relatório Goldstone” sobre a agressão à Faixa de Gaza que se encontra “congelado” para ver se a opinião pública internacional o esquece.

Assim a tentativa era escusar-se a nomear uma tal comissão e a tentar tapar o Sol com a peneira, utilizando porventura os resultados da Comissão Turkel.

Não sendo possível era preciso encontrar rapidamente uma solução e em 9 (nove) dias apenas Ban Ki-moon tira uma Comissão de Investigação política da cartola, chefiada por Geoffrey Palmer, (ex-primeiro-ministro neozelandês) a que Israel “forçadamente” aderiu tentando evitar um "mal maior" tipo "Relatório Goldstone".

Esta comissão "política" é composta, para além de Palmer, por Álvaro Uribe, ex-presidente da Colômbia, como vice-presidente, e por um representante da Turquia e outro de Israel.

Curiosamente a Comissão espera concluir os seus trabalhos em meados de Setembro, ou seja, antes da Comissão de Investigação nomeada pelo CDH.

Em meu entendimento esta comissão, desde logo pela sua composição, não atingirá o objectivo a que se propôs: a descoberta da verdade sobre o ataque israelita de 31 de Maio ao comboio de navios transportando ajuda humanitária para a faixa de Gaza, onde se destaca a abordagem em águas internacionais, ao navio mercante de pavilhão turco Mavi Marmara, donde resultou a morte de 9 civis e ferimentos em dezenas de outros.

A polémica sobre António Lobo Antunes e um documento de 2003

Já numa entrevista realizada por Sara Belo Luís e publicada em 27.11.2003 na Visão, e que abaixo transcrevo, António Lobo Antunes (ALA) desfiava algumas das suas recordações sobre a Guerra Colonial em que participou, como tenente-médico, em Angola, nas chamadas "Terras do Fim do Mundo", (Cuando Cubanco), em cumprimento do então Serviço Militar Obrigatório (SMO).

Essa entrevista de 2003, e que na altura parece ter passado despercebida aos nossos "Centuriões", vem de alguma forma dar consistência às declarações de ALA, polemizadas agora por uma "carta aberta", a ele dirigida, pelo presidente da Liga dos Combatentes (LC), general Chito Rodrigues.

Essas declarações, transcritas na referida "carta aberta", surgiram numa outra entrevista publicada há já UM ANO em livro, e onde ALA avança com mais pormenores sobre as suas vivências da Guerra Colonial.

"No meu batalhão [em Angola] éramos 600 militares e tivemos 150 baixas. Era uma violência indescritível (...) Eu estava numa zona onde havia muitos combates e para poder mudar para uma região mais calma tinha de acumular pontos. (...) E para podermos mudar, fazíamos de tudo, matar crianças, mulheres, homens. Tudo contava, e como quando estavam mortos valiam mais pontos, então não fazíamos prisioneiros."

Nessa "carta aberta" o general Chito Rodrigues, convida ALA a "esclarecer, confirmar, negar ou dar a sua interpretação sobre [as essas] afirmações".

Entretanto desde há já algum tempo, pelo que se diz, existiriam ameaças à integridade física de ALA, pelas suas afirmações, p(b)ostadas por seus ex-"camaradas ("camarada" aqui é trato de "tropa"). NEM UM SÓ DESMENTIDO FACTUAL, ao que parece. Apenas ameaças...

Com esta "carta aberta" o general Chito Rodrigues, talvez tenha aberto uma caixa de Pandora.

Todos os que passaram pela Guerra Colonial sabem mais do que contam. Por terem estado directamente envolvidos em incidentes menos honrosos ou horrorosos, ou por terem ouvido contar. O receio, a vergonha, o desejo de esquecer o que os faz sofrer, calam mais forte.

Talvez seja altura para, os que ainda sobrevivem, contarem as suas histórias. As dos massacres, das carnificinas, das violações e de outras até aqui, quase que inarráveis violências. E também as boas: as da ajuda desinteressada (fora da Psico) à população, na construção, no ensino e na saúde; os momentos de convívio e os de solidariedade perante a desgraça.

Estou seguro e certo que aqueles incidentes são a excepção e não a regra. Circunscritos a determinadas circunstâncias e comandos. Ontem poderiam existir justificações de oportunidade, políticas e/ou militares para os escalões superiores abafarem estes crimes. Desde finais de 75 tais justificações são inaceitáveis.

Sobre a pretensa "cobardia" de António Lobo Antunes (ALA)

Gostaria de realçar o seguinte. Naquela altura ALA não "fugiu" à tropa. Nem por medo; nem por questões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas; nem pela simples intenção de não querer perder anos de vida ou suportar a incomodidade e correr risco de vida.

E para ele seria simples fazê-lo. Não lhe faltaria dinheiro, contactos e apoio.

Tal como porventura lhe seria fácil ser colocado em sítio menos perigoso através de estratagema ou influência.

Por isso me espanta a polémica sobre a sua "cobardia".

Aliás a crónica de Ferreira Fernandes para o DN "Bardamerda para a cobardia" só nos permite concluir que um ser humano, que apesar de ameaçado, se expõe publicamente de forma tão assídua ou é inconsciente ou não se deixa vergar pela ameaça. Parece-me ser o caso de ALA. E aqui, um breve esclarecimento. Não conheço pessoalmente nem sou fã de ALA enquanto escritor.

A entrevista realizada por Sara Belo Luís a António Lobo Antunes, publicada em 27.11.2003 na Visão:

Esteve dois anos na guerra colonial cujo absurdo haveria de retratar em Os Cus de Judas. Ao regressar de Angola, António Lobo Antunes não era o mesmo homem. Em Lisboa tinha deixado a mulher (com quem havia casado pouco antes de partir) e uma filha que ainda não conhecia. Trazia também a certeza de que pretendia desistir da cirurgia e antes preferir uma especialidade médica que lhe permitisse escrever. Acabou por escolher psiquiatria, à qual foi buscar as técnicas de análise que, depois, utilizou para dissecar o País.

Agora (2003), aos 61 anos, regressa ao território que sempre marcou a sua ficção. Boa Tarde às Coisas Aqui Em Baixo, o volume de 554 páginas que as Publicações Dom Quixote acabam de lançar, era para falar das seitas religiosas mas acabou por tornar-se um romance sobre o tráfico (o de diamantes e o de influências), sobre o percurso de três homens (Seabra, Miguéis e Morais) que partem de Portugal para a terra devastada pelas guerras (a colonial e a civil) e pela cupidez humana. Em entrevista à Visão, o escritor desfia – como nunca o havia feito – as suas memórias de África. As do inferno e as do paraíso.

Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo é o livro do ajuste de contas com Angola?

Não tenho contas a acertar com ninguém. Estou em paz com os outros. O que sinto é que não vou ter tempo para fazer os livros que gostaria de escrever. Como Mozart que, nas margens do Requiem, escrevia «Não vou ter tempo»...

E uma espécie de catarse?

Também não sinto que tenha de me libertar de alguma coisa. Angola nunca saiu de dentro de mim. Ocupa um lugar muito profundo, mais até do que eu imagino ou penso. Vejo Angola como um paraíso perdido. Lembro-me da terra, dos cheiros, das cores, dos horizontes, de toda aquela sensualidade. Como, aliás, também acontece em relação à Beira Alta, onde agora vou cada vez mais. É uma espécie de regresso à infância onde fui tão feliz. Quando passo Carregal do Sal sinto logo o cheiro da Beira Alta. Dá-me uma certa paz interior.

Como é possível ter uma imagem de paraíso de algo que foi um inferno?

Mas tudo aquilo que envolvia a guerra era de uma beleza imensa. É curioso porque, afinal, foi um tempo doloroso.

De que maneira é que um romance sobre seitas religiosas se transforma num romance que tem o tráfico de diamantes como pano de fundo?

O outro romance começava em Angola e era para acabar com a casa destruída que aparece logo no princípio deste. Pensei que o livro pedia muito mais do que aquilo. Porque é que havia de estar a tocar uma gaita-de-beiços se podia estar a tocar um piano sem fim?

Esta é a imagem que tem da Angola pós-independência?

Enquanto escrevia o livro, interroguei-me várias vezes se não iria arranjar problemas.

Em que sentido?

Com a riqueza de Angola, não acredito que tenham desaparecido todos esses europeus e africanos que ainda hoje tentam explorar aquela terra. No livro também está presente a minha indignação em relação a todo esse neocolonialismo. Como é que se fazem determinadas coisas em nome da democracia e da amizade? Eu não queria entrar muito por aqui… Já deve ter reparado que sou sempre muito cauteloso. Por vezes tenho imensa vontade de escrever para a Visão sobre esse processo da Casa Pia, mas não me atrevo a fazê-lo porque as pessoas não teriam possibilidade de me responder.

A pergunta é para o psiquiatra…

... esse, coitado, já não existe.

Ainda deve saber umas coisas…

... poucas.

Arrisco, mesmo assim, a pergunta para ele: a questão da guerra está resolvida em si?

O psiquiatra? A questão da guerra? Não pode chamar-se àquilo uma guerra. Morria-se sem se ver ninguém. As minas, não se via quem as punha e, nas emboscadas, era tudo muito rápido. Uma guerra pressupõe um adversário e ali, ele era completamente invisível.

Não havia combates?

No sentido clássico do termo, não. Para fazerem sentido, as emboscadas não podiam demorar muito. Uns minutos e desapareciam. Depois, havia as populações, que me fascinavam.

Esse foi, de algum modo, o lado bom da guerra?

Sim, esse contacto foi decisivo para mim. Aprendi muito com aqueles povos, através da sua relação com a vida e com a morte. Apercebi-me também que o tempo africano – que é elástico, indefinido – podia servir-me para me mover melhor no espaço do romance.

Nunca teve oportunidade de regressar a Angola?

Oportunidade há sempre. Acho é que, se voltasse, não saía de lá. Gostava de ter u passaporte angolano, teria muito orgulho nisso. Não quero dizer que me sinta menos português, gosto cada vez mais de ser daqui, sinto-me muito bem no meu país.

Mas porque é que gostava de ter passaporte angolano?

Afectivamente, estou muito ligado àquela terra e àquelas pessoas.

Isso não é um contra-senso? No fundo, lutou contra a independência angolana…

Bom, eu fazia parte de um exército…

Que dependia de um governo que era contra a independência das colónias.

É verdade. Isto não pretende ser uma justificação, mas, naquela época, a gente tinha a sensação de que a ditadura era eterna. Ou se ia à guerra (como o Partido Comunista, que mandava os seus militantes ir à guerra) ou, então, ia fazer-se a revolução para os cafés de Paris. E, a certa altura, reparei que a maior parte das pessoas que emigrava fazia-o quando sabia que ia. Porque tinham medo. Aquilo metia medo. No entanto, as minhas razões não tinham nada a ver com estas. Não fui nem por valentia nem por ideais políticos. Ernesto Melo Antunes, o meu capitão, dizia que a revolução se fazia por dentro. A mim, contudo, a revolução não me dizia grande coisa… Sempre tive uma vida protegida, passei ao lado de todos os movimentos contra a ditadura; por cobardia, provavelmente.

Era um privilegiado.

Claro que sim. Nessa altura, de um modo geral, os rapazes que iam para as faculdades eram privilegiados. Mas não foi só por isso que a política – e até o próprio movimento estudantil – me passou ao lado. Eu nem às aulas ia, passei a faculdade a escrever e a jogar xadrez. Vivia completamente centrado sobre mim mesmo. Talvez esteja grato a Angola porque foi lá que aprendi a existência dos outros. Até então o meu mundo era ptolemaico. Na guerra, senti pela primeira vez uma camaradagem real, que ainda hoje se mantém.

Ainda se vêem?

Sim, de vez em quando. Nesse momento percebi que eu não era o centro do mundo.

Mantinha um diário?

Não, nunca fiz diários. Mas é curioso que, durante todo o tempo que estive em África, li e escrevi muito. À noite, enquanto escrevia os meus romances, tinha a sensação de estar em Lisboa porque havia um soldado que imitava os pregões dos ardinas.

Lembra-se do dia em que foi mobilizado?

Eu já sabia que ia, só não sabia era quando. Fiz a segunda parte da recruta no Hospital da Estrela e, depois, fui colocado no de Tomar. Estive lá uns meses e, um dia, o director chamou-me e disse-me que eu tinha que me apresentar em Santa Margarida. Só soube que ia para Angola já no barco.

Foi lá que conheceu Ernesto Melo Antunes?

Só vou encontrar o batalhão com que fui em Santa Margarida uns meses antes de embarcar, a 6 de Janeiro de 1971.

E para onde foi?

Fui para as Terras do Fim do Mundo, na fronteira com a Zâmbia, no saliente do Cazombo. Chegámos lá e, pendurada no arame farpado, estava uma tabuleta que dizia «Lisboa, 10 mil quilómetros. Moscovo, 13 mil». O leste angolano não correspondia nada à ideia que fazemos de África. É arenoso, com pouca vegetação e, de noite, fazia muito frio.

Não havia o que habitualmente se chama mato?

Havia, mas parecia sempre igual. Outra das coisas que me espantava era a capacidade que os nossos guias tinham em orientar-se. Havia um que lhe bastava pôr a orelha contra o chão para pressentir uma coluna ainda a quilómetros de distância. Outro, via mosquitos na outra banda e, aos domingos, punha uns óculos graduadíssimos. E nós, miúdos de 20 anos, não entendendo o significado simbólico do acto, fazíamos troça. Não percebíamos que aquela maneira de ser correspondia a uma cultura milenar. Vínhamos com toda uma carga de coisas europeias...

O médico recém-licenciado também descobriu outras «ciências»?

Sob o aspecto médico eram culturas muito mais avançadas que as nossas. Não havia cáries, por exemplo. E lavavam os dentes com um pau… Doutro ponto de vista, a organização social era perfeita, não havia conflitos sociais e as decisões eram tomadas em assembleias muito complicadas. Uma vez, numa aldeia, estiveram uma tarde inteira para deliberar se me davam um galo. Eram muito sábios e, sentindo o absurdo daquela situação fugiam para norte. Nós queimávamos as aldeias com desfolhantes e com tudo isso de que é proibido falar. Eu vi napalm. O marechal Costa Gomes, que era meu comandante-chefe, dizia que não existia napalm. Nós tínhamos napalm e bombardeávamos com napalm. Esta é a verdade. E quem disser o contrário está a mentir.

No terreno dizia-se que o regime estava a definhar?

Não, não se tinha a noção porque não tínhamos notícias nenhumas. O nosso batalhão, composto por três companhias de combate, cobria um território com a mesma extensão de Portugal Continental do Mondego ao Algarve. Naquela altura, o MPLA estava a entrar pela Zâmbia com o objectivo de cercar o planalto central. Era, portanto, uma zona tremenda. E era suposto nós servirmos de tampão. Mas como é que três companhias e combate – ou seja, 450 homens – podem patrulhar uma zona tão grande? Era impossível.

Discutia-se política?

Não, não se discutia política. Nem era possível discutir. Nunca assisti a cenas como as de Manoel de Oliveira no qual os militares vão nos Unimogs a discutir a legitimidade da guerra. A partir do momento em que morreu o primeiro rapaz, até o Melo Antunes (que era um homem muito politizado, que discordava da guerra) deixou de falar nisso. Nesse momento disse «Vamos vingar o Ferreira». O primeiro morto desencadeia uma raiva enorme. Ninguém queria ir para o mato, ninguém queria matar ninguém. Não aquele país, olhávamos para o céu, não conhecíamos as estrelas. Nada daquilo nos fazia lembrar Portugal. Absolutamente nada. Estávamos ali, não havia nada à volta. Só havia a casa do chefe do posto em ruínas onde eu dormia. Portanto, que vontade tinha eu de combater? O quê? Quem?

Estavam apenas preocupados em chegar ao dia seguinte?

Eu queria voltar vivo. Tínhamos sido treinados para a guerra, mas o objectivo era acumular o maior número de pontos possíveis para irmos para um sítio com menos guerra. Um prisioneiro tantos pontos, uma arma apreendida tantos pontos e, ao fim de não sei quantos pontos, mudávamos de lugar. Nunca ouvi – entre oficiais ou soldados – uma única palavra contra o a favor da guerra. A gente queria era sair dali. O mais depressa possível. Não queria falar da crueldade e da violência porque, no meio das atrocidades, também havia uma grande generosidade. Os nossos soldados ganhavam uma miséria e estavam sempre na aflição de saber como é que estavam as suas famílias em Portugal. As notícias que chegavam eram poucas, o correio só vinha uma vez por semana...

Que atrocidades não conseguiu esquecer?

Coisas horríveis. Havia uma delegação da PIDE junto à sede do batalhão e eu assisti a dois ou três interrogatórios. Nunca vi o exército fazer tais coisas. Lembro-me de um soba me dizer «O Sr. PIDE manda mais que o Senhor Governador». A PIDE era, de facto, o terror dos civis. Noutro dia, fizeram-se uns prisioneiros e, como era preciso comunicar à polícia, veio um PIDE de helicóptero. Quando chegou, a primeira coisa que fez foi dar um pontapé na barriga de uma mulher grávida. O Melo Antunes puxou da pistola e apontou-a ao PIDE. Nem imagina os problemas que ele teve por causa disso… Estávamos ali, mas de vez em quando vinham uns do «ar condicionado» para dizer como é que devíamos fazer a guerra. Recebiam o mesmo subsídio e apareciam de camuflado novinho em folha. E nós de camuflado todo desbotado...

Tudo isso é político…

Eram ordens militares. E não vinham embrulhadas em qualquer consideração do género «Estamos a defender Portugal». Não me recordo de um comandante, um general, um coronel ou um brigadeiro me falar da pátria. Não me lembro de alguma vez ter ouvido um discurso patriótico que advogasse a civilização contra o comunismo ateu.

A morte torna-se mesmo uma rotina na guerra?

Fazia sempre sofrer muito. Uma vez levei para o meu quarto um rapaz que tinha morrido numa emboscada. Não quis que o tirassem de lá. Estava só a dormir. A morte de um camarada era uma coisa horrível. E mesmo os feridos, que nunca mais voltávamos a ver. Quando havia amputações, eu fazia o penso ao coto, vinha um helicóptero e levava-os.

Como é que vê, hoje, as diferenças entre a guerra que conheceu e estas guerras cirúrgicas?

Não conheço estas, só conheci aquela. Mas a guerra é sempre um momento absurdo porque ninguém ganha. Isto foi o que, de mais claro, trouxe da guerra. Na guerra não há vencedores. Todos – militares, famílias, populações – são vencidos. E os militares são os que menos culpa têm porque se limitam a fazer aquilo que o poder político pretende. Sob este aspecto, o exército português sempre foi muito disciplinado. O Melo Antunes, por exemplo, impunha uma disciplina completamente feroz que eu não compreendia. Ele contrapunha que aquela era a maneira de termos menos baixas. Obrigava-nos, entre outras coisas, a pôr gravata para jantar, na areia...

A disciplina passava por aí?

Também, o que não o impedia depois de jogar vólei com os soldados. Estes, de resto, eram muito bem treinados. Quando uma coluna foi atacada, o alferes teve medo e escondeu-se debaixo de um cepo. O pelotão ficou uma presa fácil porque todos estavam à espera que aquilo funcionasse.

O medo era encarado como um sinal de fragilidade?

Borrar-se de medo? Cagar-se de medo? Tudo isto é real, não são figuras de retórica. Ele tinha as calças do camuflado encharcadas de merda. Casos destes, no entanto, não havia muitos. Todos tínhamos medo, mas os nossos soldados eram de facto extraordinários. Não eram como os americanos que estavam lá no Vietname e, de dois em dois meses, tiravam uma semana de férias. Em Angola nunca vi ninguém negar-se a ir para a mata. Quando o rapaz que tinha sido sorteado para conduzir o rebenta-minas – a viatura, como então dizíamos que ia à frente – vinha despedir-se de mim, fazia-o sem quaisquer dramatismos. Ao princípio ainda marcávamos os dias no calendário, mas a partir de certa altura a vida já não tinha grande valor. Uma das cruzes de guerra que tivemos foi o apontador de metralhadora, já ferido no pescoço, ter continuado a disparar para salvar os que estavam cá em baixo. Havia um espírito de corpo muito intenso. Lá, éramos todos a mesma coisa. Estou a conseguir falar disto sem falar do horror...

Ainda sonha com a guerra?

Às vezes tenho um pesadelo tremendo. Sonho que me estão a chamar para voltar para África. Tento explicar que já fui, argumentam que tenho que ir. E o sonho acaba aqui. Nunca sonhei com tiros ou com morteiradas. No meio daquilo tudo havia muito humor. Havia um homem, o Bichezas, que cuidava do morteiro que estava ao pé da messe. Tínhamos mais medo dele do que do MPLA porque o Bichezas disparava com o morteiro na vertical. Aquilo subia…e toda a gente fugia. Apesar de tudo, penso que guardávamos uma parte sã que nos permitia continuar a funcionar. Os que não conseguiam são aqueles que, agora, aparecem nas consultas. Ao mesmo tempo, havia coisas extraordinárias. Quando o Benfica jogava, púnhamos os altifalantes virados para a mata e, assim, não havia ataques.

Parava a guerra?

Parava a guerra. Até o MPLA era do Benfica. Era uma sensação ainda mais estranha porque não faz sentido estarmos zangados com pessoas que são do mesmo clube que nós. O Benfica foi, de facto, o melhor protector da guerra. E nada disto acontecia com os jogos do Porto ou do Sporting, coisa que aborrecia o capitão e alguns alferes mais bem nascidos. Eu até percebo que se dispare contra um sócio do Porto, mas agora contra um do Benfica?

Não vou pôr isso na entrevista…

Pode pôr. Pode pôr. Faz algum sentido dar um tiro num sócio do Benfica?