02 março, 2011

Dividir para conquistar. Gianni Carta entrevista Magid Shihade

Dividir para conquistar
Gianni Carta, 1 de março de 2011 às 10:07h
in CartaCapital


O cientista político Magid Shihade, professor da Universidade de Birzeit, na Cisjordânia, avalia o cenário político na ocupada Palestina após o veto dos EUA à resolução do Conselho de Segurança que condena os contínuos assentamentos israelenses.

Com o apoio de Obama, a estratégia de Israel permanece

Magid Shihade

CartaCapital: Como avaliar o veto dos EUA?

Magid Shihade: É mais uma prova da estratégia israelense, com apoio de Washington: apodere-se de quanto mais terras possíveis para prevenir um Estado palestino soberano e contíguo. E Israel se sente, mais uma vez, poderoso. O objetivo deles é semear uma coletânea de reservas palestinas dominadas por israelenses. Mas esse processo de dispersar e dividir a Palestina remonta a 1948 (quando nasceu Israel). Você não pode, por exemplo, ir de Ramallah a Belém sem passar por uma caterva de barreiras. Até o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, tem de obter permissão de Israel para passar por esses check points. Abbas foi domesticado. Ao dividir as terras palestinas, os israelenses obtêm maior controle sobre os palestinos.

CC: E as negociações de paz entre Israel e a Palestina podem ainda
dar em algo?

MS: Agora, até o Fatah (partido de Abbas, dominante na Cisjordânia) não poderá ficar calado diante das regras impostas pelos israelenses em futuras negociações. Como vimos nos últimos 20 anos, quanto maiores são as concessões feitas pelos palestinos maiores são as demandas feitas pelos israelenses. No fim de 2009, os israelenses congelaram, por dez meses, os assentamentos na Cisjordânia e em Jerusalém Leste. Falaram em concessão. Mas que concessão? Segundo o direito internacional, essas terras pertencem aos palestinos. É como se eu pegasse teu maço de cigarros e dissesse: “Talvez eu te dê um cigarro”.

CC: Abbas anunciou eleições gerais em setembro na Palestina. Diz, porém, que sem a participação do Hamas (agremiação com braço armado dominante em Gaza que refuta eleições) não será possível realizá-las…

MS: O pleito dividiria ainda mais o Fatah do Hamas (a dominar o Estreito de Gaza desde sua vitória em eleições democráticas, em janeiro de 2006). E, por tabela, o vácuo entre a Cisjordânia e Gaza se tornaria ainda mais vasto. Portanto, a Autoridade Palestina e o Fatah tiveram de mudar suas estratégias. Lembre-se que essa contenda entre o Hamas e o Fatah foi mantida por Israel e pelos EUA, com a ajuda de Hosni Mubarak. E voltamos para o tema “dividir para conquistar”. Mas, com a falta de credibilidade de Abbas e da Autoridade, o Fatah teme a imagem ruim dos partidos dominantes na Tunísia e no Egito. Para não serem depostos quando as revoltas mais contundentes chegarem à Cisjordânia, o Fatah e o Hamas têm de se unir, sob a liderança da Autoridade Palestina.

CC: Mas o Hamas é tido como movimento terrorista por, entre outros, Israel e Estados Unidos…

MS: Não tenho nenhuma afiliação com o Hamas, sou um professor. Mas o Hamas, movimento de resistência, não reconhece Israel baseado na raça do povo judaico. Se os israelenses são ou não judeus não é a questão: o Hamas luta pelo direito de retorno de palestinos expulsos de suas terras, em 1948. E por que o Hamas não pode existir se Avigdor Lieberman (ministro israelense do Exterior) fala abertamente na expulsão de palestinos que vivem em Israel para a Palestina? Enquanto isso, a agremiação ultraortodoxa Shas justifica assassinar palestinos. E árabes-israelenses, para obter cidadania, têm de reconhecer Israel como Estado judeu. Mas esses árabes não são judeus e nasceram naquilo que agora se chama Israel. Não é discriminação? Enquanto isso, os israelenses continuam a colonizar os territórios palestinos. A supremacia do judeu sobre o não-judeu, construída pela narrativa sionista, é o maior obstáculo.

Gianni Carta é jornalista, correspondente de CartaCapital em Paris, escreve sobre coisas da vida do Hemisfério Norte.

Sem comentários: