Trancrição integral pelo seu interesse
A base de um acordo seria voltar à divisão do território anterior à guerra de 1967 e aos pormenores combinados em 2000
As conversações directas que vão principiar a 2 de Setembro entre Israel e a Autoridade Palestiniana, e que foram anunciadas triunfalmente pelos Estados Unidos na sexta-feira passada, encontrarão dificuldades muito sérias. O objectivo declarado de Washington, que serve de medianeiro, é chegar num ano à chamada solução dos dois Estados, que estabeleça um Estado palestiniano em parte da Cisjordânia (internacionalmente conhecido por Cisjordânia; mas a que os judeus chamam Samaria e Judei) e em Gaza, com Jerusalém Oriental como capital.
A base de um acordo seria voltar à divisão do território que existia antes da guerra de 1967 e aos pormenores combinados em 2000, denominados os Parâmetros de Clinton. O ex-Presidente norte-americano impulsionou os encontros entre israelitas e palestinianos que, à última hora, não resultaram. Um possível acordo implicaria:
a. O fim da ocupação da Cisjordânia por Israel. Mais de 40 por cento desta zona está ocupada por colonos israelitas que vivem em 131 colonatos (100 considerados ilegais pelas próprias autoridades israelitas, mas que não foram evacuados). Em alguns casos os colonatos são cidades de até 40.000 habitantes. Informalmente foi proposto que se realizariam trocas de território, para não desmantelar esses colonatos. Noutros casos, o Governo israelita ofereceria aos seus habitantes indemnizações e novos locais para habitar. A população palestiniana da Cisjordânia é de aproximadamente 2.407.681 habitantes, enquanto os colonos totalizam 310.200. Os nacionalistas religiosos são uma parte muito poderosa da sociedade israelita que se oporá fortemente a abandonar os colonatos.
b. O regresso total ou parcial, ou indemnizações, para os refugiados palestinianos que foram expulsos das suas terras e propriedades nas guerras entre Israel e diversos países árabes, em 1948 e 1967. Entre os sobreviventes dessas duas vagas de refugiados e os seus descendentes o número ascende a mais de quatro milhões, que vivem, muitos deles, em condições precárias, em campos de refugiados na Cisjordânia, Gaza, Líbano, Jordânia, Síria, Iraque e outros países.
c. Declarar a parte árabe e oriental da cidade de Jerusalém capital do Estado palestiniano, e que a comunidade internacional aceite que a parte ocidental seja a capital de Israel. Também neste caso os colonos israelitas, que ocuparam e estão a ocupar casas e terrenos em diversos bairros e em zonas periférias que fazem parte de Jerusalém seriam relocalizados ou teriam que aceitar viver numa zona sob soberania árabe. Segundo dados oficiais de Israel, 194.000 judeus habitam em bairros anexados por Israel e considerados parte de Jerusalém.
d. O Estado palestiniano teria competências para a sua segurança interna, mas estaria desmilitarizado. Isto significa que não teria armas pesadas que pudessem servir para um ataque a Israel.
Gaza converteu-se numa questão especial. Tomada desde 2007 pelo movimento Hamas, não foi possível até agora que se alcançasse um acordo com a Autoridade Palestiniana. Por um lado, seria incompleto negociar e eventualmente alcançar um acordo sobre a declaração de um Estado palestiniano sem Gaza, onde vive mais de um milhão de palestinianos. Por outro, a Autoridade Palestiniana poderia negociar com Israel e em paralelo, ou posteriormente, negociar com o Hamas a partir de uma posição mais forte.
Segundo informação que circulou nos últimos dias em meios da imprensa árabe, o Presidente Barack Obama teria exercido uma dura pressão sobre o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o Presidente Mahmud Abbas para que aceitem conversações directas. A Autoridade Palestiniana manteve nos últimos meses que enquanto não acabar a construção de novos colonatos e a expulsão de palestinianos das suas casas não voltaria a falar com Israel.
Pressionado pelos Estados Unidos, o Governo israelita declarou em Novembro passado uma moratória, com diversas excepções, na política de ampliar ou criar novos colonatos, moratória que termina no dia 26 de Setembro. Todos os membros da direita e ultradireita da coligação do Governo israelita, com a excepção do Partido Trabalhista, pressionam Netanyahu para que não prorrogue a moratória. Esse será o primeiro obstáculo para as negociações, já que a Autoridade Palestiniana possivelmente se retira ou ameaça retirar-se se isso acontecer.
Um segundo obstáculo é o pedido de Israel de obter as máximas garantias de segurança. O Governo de Netanyahu alega que depois da retirada de Israel de Gaza e do Líbano se verificaram ataques com mísseis a partir dessas zonas. No caso de as forças de Israel se retirarem da Cisjordânia, como é que se garantiria a segurança? Israel quer que os palestinianos só se ocupem da segurança interna. Um argumento acrescentado é que mais de 60 por cento da população jordana é palestiniana e que, portanto, a fronteira ao longo do rio Jordão se tornaria muito insegura.
Outro argumento de Israel é que a Autoridade Palestiniana, apesar das reformas e avanços que estão a ser feitos pelo primeiro-ministro Salam Fayyad, não é fiável. "Que aconteceria se, como aconteceu em Gaza, o Hamas tomasse o poder na Cisjordânia?", perguntava-me recentemente um professor em Telavive.
O fantasma do Hamas funciona, neste sentido, de duas formas negativas. Se se formasse um governo de unidade nacional entre a Fatah e o Hamas, então Israel considera que seria perigoso. Mas se o Hamas continuar a controlar Gaza, então Israel alega que não pode negociar só com uma parte dos palestinianos. Ao mesmo tempo, o Governo israelita não dialoga com o Hamas por o considerar um grupo terrorista que procura a destruição do Estado de Israel.
O terceiro obstáculo é o regresso dos refugiados. Para Israel negociar o regresso terá que aceitar que em 1948 e 1967 houve expulsão de palestinianos, algo que oficialmente nunca foi admitido. A tese histórica oficial é que os árabes palestinianos fugiram instigados pelos Governos dos países vizinhos, que os alarmaram ou os instigaram a fugir alegando que ao terminar a guerra poderiam voltar. Historiadores israelitas colocaram isto em questão, indicando que se verificou uma expulsão premeditada usando o medo e o terror. Para qualquer Governo palestiniano aceitar que não haja reconhecimento do direito de regresso é um passo difícil de assumir, mas que possivelmente se poderia conseguir em troca de recuperar a Cisjordânia. Para um Governo israelita aceitar que houve expulsões em 1948 e 1967 é colocar em questão a legitimidade do momento de nascimento do Estado.
O quarto obstáculo é o pedido do Governo israelita de que a Autoridade Palestiniana reconheça o carácter judaico do Estado de Israel. Para os palestinianos, isto supõe legitimar que os refugiados nunca poderão recuperar as propriedades que perderam e, além disso, coloca em perigo a situação dos cidadãos árabes que têm nacionalidade ou residência israelita, e que vivem em Israel. A população judaica de Israel é de 5.726.000 habitantes (75,5 por cento); os árabes israelitas são 1.548.000 (20,4 por cento).
O quinto grande problema é Jerusalém, dado que Israel reafirmou que está fora de questão negociar o seu estatuto e o controlo israelita. Como afirmou em 2009 o primeiro-ministro Netanyahu: "Jerusalém não é um colonato mas sim a capital histórica de Israel".
Estes não são os únicos problemas, mas se se conseguir superar o dia 26 de Setembro, e os Estados Unidos e o Quarteto (União Europeia, Estados Unidos, Nações Unidas e Rússia) mantiverem uma firme posição a favor da solução dos dois Estados, então talvez se possa avançar para outros escalões igualmente complexos.
* Directot do NOREF - Centro Norueguês de Construção da Paz, em Oslo.
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