23 outubro, 2010

A ICAR e o conflito israelo-palestino: um passo em frente... omitindo Gaza

Hoje o Público referiu a mensagem final do Sínodo do Médio Oriente, titulando "Igreja Católica pede à ONU que ponha fim à ocupação israelita dos territórios palestinianos". No entanto na notícia faltavam referências a Gaza e a Jerusalém, por isso entendi avaliar a mensagem do Sínodo.

Aqui ficam os resultados e o meu comentário.

Durante a XIV Congregação Geral realizada na tarde de ontem, sexta-feira 22 de Outubro de 2010, os Padres sinodais aprovaram a Nuntius, a Mensagem ao Povo de Deus, na celebração da Assembleia Especial para o Médio Oriente do Sínodo dos Bispos.

(O texto completo em inglês pode ser encontrado seguindo este link. Nesse local ainda encontrará ligações para as versões publicadas em árabe, francês e italiano.)

Este Sínodo é um acontecimento extraordinário já que reuniu pela primeira vez, não só Patriarcas e Bispos das Igrejas Católicas do Médio Oriente e o Papa, mas os cardeais e arcebispos, responsáveis dos vários departamentos da Cúria Romana, os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo, os representantes das Igrejas ortodoxas e das comunidades eclesiais e convidados judeus e muçulmanos.

Se um Sínodo só por si é um acontecimento relevante na Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), esta participação alargada acresce uma dimensão política ainda mais forte e significante.

A Nuntius foi organizada em 7 capítulos, com uma Introdução e uma Conclusão.

Aqui apenas referiremos dois pontos, que traduzimos, desse documento, que no essencial é pastoral, e que entendemos relevantes para entender a posição agora tomada pela ICAR, quanto ao conflito israelo-palestino:

1.º. A caracterização das condições políticas e de segurança referidas aos palestinos e israelitas, que respigámos do ponto 3.2, inserido no Capitulo I - A Igreja no Oriente Médio: comunhão e testemunho ao longo da História e que apresentamos :

Avaliámos a situação social e a segurança pública em todos os países do Médio Oriente. 

Tomamos em consideração o impacto do conflito israelo-palestino em toda a região, especialmente sobre os palestinos que estão sofrendo as consequências da ocupação israelita: a falta de liberdade de movimentos, o muro de separação e os postos de controlo militar, os prisioneiros políticos, a demolição de casas, a perturbação da vida socioeconómica e os milhares de refugiados.

Reflectimos sobre o sofrimento e a insegurança em que vivem os israelitas. 

Temos meditado sobre a situação da cidade santa de Jerusalém. Estamos preocupados com as iniciativas unilaterais que ameaçam a sua natureza e que arriscam alterar o seu equilíbrio demográfico. 

Com tudo isso em mente, vemos que uma paz justa e duradoura é a única salvação para todos e para o bem da região e seus povos.

2.º. O “Apelo á Comunidade Internacional”, (Capítulo VII), que excedendo o âmbito anteriormente definido, entendemos relevante apresentar na integra: 

Os cidadãos dos países do Médio Oriente Médio solicitam à comunidade internacional, nomeadamente às Nações Unidas, para que trabalhem conscienciosamente para encontrar uma solução definitiva, justa e pacífica, na região, através da aplicação das resoluções do Conselho de Segurança e para que tomem as medidas legais necessárias para pôr fim à ocupação dos diferentes territórios árabes.

O povo palestino terá assim uma pátria independente e soberana, onde possa viver com dignidade e segurança. O Estado de Israel poderá assim desfrutar de paz e segurança dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas. 

A Cidade Santa de Jerusalém poderá obter o seu estatuto próprio, que respeite o seu carácter particular, a sua santidade e o património religioso das três religiões: judaica, cristã e muçulmana. Esperamos que a Solução dos Dois Estados, possa tornar-se uma realidade e não um sonho apenas.

O Iraque irá ser capaz de pôr fim às consequências da sua guerra mortal e restabelecer uma forma segura de vida que protegerá todos os seus cidadãos em todas as suas estruturas sociais, quer religiosas, quer nacionais.

O Líbano será capaz de desfrutar de soberania sobre todo o seu território, reforçar a sua unidade nacional e continuar na sua vocação para ser o modelo de coexistência entre cristãos e muçulmanos, do diálogo entre diferentes culturas e religiões, e da promoção das liberdades públicas básicas.

Condenamos a violência e o terrorismo venha donde vier, bem como todo o extremismo religioso. Condenamos todas as formas de racismo, o anti-semitismo, o anti-cristianismo e a islamofobia e conclamamos as religiões a assumir a sua responsabilidade de promover o diálogo entre culturas e civilizações na nossa região e em todo o mundo.

A caracterização das condições políticas e de segurança referidas aos palestinos e israelitas realizada pelo Sínodo e acima referidas, estariam totalmente correctas se não tivessem omitido uma questão fundamental: o bloqueio ilegal da Faixa de Gaza e a tragédia humanitária que ali se vive.

E ao apelar ao “… fim à ocupação dos diferentes territórios árabes.” não me parece englobar nesse domínio a Faixa de Gaza, que está cercada e sob bloqueio, mas que tecnicamente não está ocupada. 

Nem vejo onde poderia incluir, a questão da tragédia humanitária dos palestinos de Gaza, presos uma imensa prisão a céu aberto, em condições totalmente distintas dos palestinos da Cisjordânia ocupada.

Em política a omissão esconde quase sempre a reserva mental e a incapacidade para lidar com uma realidade incomoda. Gostava de poder avaliar esta questão de forma diferente, para bem dos palestinos de Gaza infelizmente, a razão e a história, não me permitem cair nesse "engano da alma, ledo e cego".

De todas as formas esta tomada de posição da ICAR é no geral positiva, e é um bom sinal para a paz no Médio Oriente, tendo em conta o carácter conservador desta teocracia e da sua diplomacia.

Se a ICAR tomou tal posição neste momento é porque definiu existir uma forte propensão para o "império" e seus aliados estarem dispostos a resolver de alguma maneira a ocupação ilegal da Palestina.
É ainda de sublinhar que na sua mensagem o Sínodo , ao referir-se a Jerusalém, inclui a seguinte expressão: “Esperamos que a Solução dos Dois Estados, possa tornar-se uma realidade e não um sonho apenas.”, que em meu entendimento é o reconhecimento de Jerusalém como a capital de ambos os Estados.
Só é pena que tenha sido preciso tanto tempo para a ICAR reconhecer o que estava à vista de quem não desviasse o olhar. Mas mais vale tarde do que nunca.
Mas também é preciso, precisamente neste momento, não esquecer os muitos católicos, sacerdotes e fiéis, que por todo o mundo, desde sempre, se mostraram publicamente do lado da Justiça e se envolveram militantemente no combate por uma Palestina independente, soberana e livre, que garantisse a segurança e a paz com Israel.

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