31 janeiro, 2009

Anúncio "HAMAS" a publicar em Israel

Uri Avnery enviou-nos o texto do anúncio que vai ser colocado no Haaretz, no dia 30 de Janeiro, pelo Gush Shalom (Bloco da Paz), que traduzimos e que aqui deixamos:

HAMAS

Israel não reconhece
o Governo do Hamas em Gaza -
mas considera-o responsável
pelos ataques de lá partem.

Israel não reconhece
o Governo do Hamas em Gaza -
mas exige que ele
garanta o cessar-fogo.

Isto é ridículo. Isto é desesperador.
Temos de falar com o Hamas.
O inimigo na guerra é também
o parceiro no cessar-fogo.

Se quiserem ajudar a pagar as actividades e os anúncios do Gush Shalom, podem enviar os vossos cheques para:

Gush Shalom, P.O.Box 3322, Tel-Aviv 61033

Os contactos são:
972-3-5221732
www.gush-shalom.org
info@gush-shalom.org

30 janeiro, 2009

Uma parábola sobre o “terrorismo”

Adalberto Alves[i], na apresentação, datada de 2002, da obra “Palestina: A saga de um Povo[ii]” de Tariq Al-Khudayri, escreveu a seguinte parábola:


“Como é sabido, na Península Ibérica, antes da chegada dos Árabes, em inícios do século VIII, reinava um povo godo, de origem germânica, os Visigodos. O território do que é hoje Portugal fez, também, durante cerca de três séculos, parte desse Império Visigótico. Os Godos consideravam a Hispânia como a sua pátria indisputada, situação que se manteve até virem a ser obliterados pelo domínio muçulmano.

Suponha-se agora que, num país qualquer do centro da Europa, tinha subsistido, até hoje, uma minoria identificável como goda e que, objecto de discriminação e repressão nesse tal país, tinha, em parte, optado pela diáspora.

Como os Godos ansiavam pela criação de um lar comum, constituíram um lobby de pressão em todo o mundo, no sentido de a ONU decidir arranjar-lhes um território para a constituição de um Estado Godo.

Discutido o assunto e olhando à relevância, no passado, do Império Visigótico na Península Ibérica, a ONU decidiu que seria nela o local correcto para a instalação da Godolândia.

A Espanha opôs-se tenazmente desde logo e, como Portugal era a parte mais fraca em questão e tinha escassa população, foi-lhe imposta a abdicação de uma parte do seu território para a instalação da Godolândia: 50% do mesmo, ou seja, todo o território a norte do Tejo. O sul ficaria para Portugal, sendo Lisboa Oriental goda e Lisboa Ocidental portuguesa.

Com o apoio de diversos países e num curto prazo, começou imediatamente o êxodo de godos em direcção ao território que lhes fora atribuído, apesar dos protestos e da oposição generalizada dos Portugueses.

Os invasores, mediante a força e a intimidação, não tardaram em ocupar cidades e campos, colonizando mediante expulsão as melhores zonas: Porto, Braga, Coimbra, Leiria, Santarém e outras foram, assim, parar às suas mãos. E à menor resistência à ocupação, as casas dos portugueses eram arrasadas para a instalação dos colonatos. Deste modo, a soberania de metade do território português passou para a mão dos Godos que impuseram, aos portugueses do norte, uma nova bandeira e uma nova língua. Em suma, haviam perdido a sua pátria.

A brutalidade da repressão goda causou numerosas mortes e, em breve, mais de dois milhões de portugueses foram deslocados das suas terras e muitos deles forçados a fugir para Espanha, Marrocos e outros países onde passaram a vegetar em miseráveis campos de refugiados.

Portugal, virtualmente, viria a desaparecer do mapa, já que o sul do território, encabeçando a resistência contra a usurpação goda, rapidamente foi invadido pelos novos senhores, que apenas deixaram nas mãos dos Portugueses a parte leste do Alentejo e uma faixa de terreno junto ao mar, que passou a chamar-se a Faixa de Palmela.

Por outro lado, os portugueses que ficaram a viver ou a trabalhar na Godolândia não passavam de cidadãos de 2.ª categoria, ou de mão de obra barata para os Godos.

Os Portugueses, quase abandonados pela comunidade internacional, haviam sido forçados a reconhecer o novo Estado, passando a bater-se, ao menos, pelo reconhecimento da sua soberania total no território alentejano oriental e na Faixa de Palmela. Porém, a Godolândia nem isso aceitava, argumentando que tal iria ameaçar a sua segurança.

A ONU através da Assembleia-geral, emitia resoluções atrás de resoluções, condenando o expansionismo godo, mas nenhuma acção era levada a cabo pelo Conselho de Segurança, uma vez que os E. U.A., tendo apoiado e armado a Godolândia até aos dentes, vetavam todas as tomadas de decisão favoráveis a Portugal.

E foi assim que os Portugueses, despojados das suas terras, casas e pátria, se viram condenados ao desespero num exíguo território, onde viviam em condições infra-humanas e de onde toda a esperança parecia ter fugido. No exílio, os que haviam partido sonhavam com um longínquo regresso e, como símbolo desse sonho, guardavam a chave da casa que há muito haviam deixado para trás: quem sabe, um dia voltariam ao lar ...

Os Portugueses iniciavam uma longa e dolorosa luta pela sua dignidade, apesar da desproporção de meios perante o poderoso inimigo. Tinham quase só, como armas, a revolta e a dádiva da própria vida, pois, tendo perdido tudo, já nada tinham a perder.

Passaram a ser chamados de terroristas.

Acabou-se a parábola!”

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[i] José Adalberto Coelho Alves nasceu em Lisboa, a 18 de Julho de 1939, de uma ancestralidade onde se entrecruzam celtas e árabes.

Poeta, ensaísta escritor, orientalista, tradutor de árabe para português e conferencista, Aldalberto Alves, licenciou-se em Direito, exercendo ainda hoje advocacia.


Frequentou também o Conservatório Nacional e a Academia dos Amadores de Música, tendo estudado violino e guitarra clássica.


O seu interesse pela cultura muçulmana levou-o a estudar Língua Árabe na Universidade Nova de Lisboa, curiosidade que se alarga à História e Cultura Árabico-Islâmicas.


Neste âmbito está ligado a várias instituições, sendo actualmente Presidente do Conselho Geral do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves.


Tem vasta obra publicada, poesia, contos e ensaios destacando-se os trabalhos que dedicou ao sufismo e à poesia luso-árabe, alguns deles fazendo parte de obras de referência, estrangeiras e nacionais, da especialidade.


Entre os títulos dedicados ao mundo árabe, referem-se:



  • Arabesco (Da Música Árabe e da Música Portuguesa), ensaio, 1989



  • O Meu Coração é Árabe, (A Poesia Luso-Árabe), poesia, 1998



  • Ibn‘Ammâr Al-Andalusî - O drama de um poeta, Biografia e poesia, 2000
    (Em co-autoria com Hamdane Hadjadji)
  • Al-Mu‘tamid, Poeta do Destino, poesia, 2004
  • Em Busca da Lisboa Árabe, ensaio, 2007
  • Irão, Viagem ao País das Rosas, poesia, 2008
  • Portugal e o Islão Iniciático, ensaio, 2008
Em 2008, também dá à estampa "No Vértice da Noite", mais um livro de poesias, cuja apresentação remeto para as palavras de Elsa Rodrigues dos Santos.
Adalberto Alves foi distinguido em 2008 com o prémio Sharjah 2008 para a cultura árabe, atribuído pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
O prémio visa distinguir personalidades, grupos ou instituições que tenham contribuído de forma significativa para o desenvolvimento, difusão e promoção da cultura árabe no mundo, bem como para a preservação e a revitalização do património cultural imaterial árabe.

No caso de Adalberto Alves, director do Centro de Estudos Luso-Árabe, em Silves, a UNESCO enalteceu-o por ter “inspirado muitos escritores portugueses e espanhóis [um deles o romancista Pedro Plasencia, autor de El Tiempo de los Cerezos] a divulgar a história da cultura árabe do Gharb al-Andalus”.
Actualmente está a preparar um dicionário de palavras portuguesas com origem árabe (toponímia, antroponímia, léxico corrente e empréstimos semânticos), a publicar durante este ano,
Igualmente irão para o prelo durante esta Primavera:



  • As Sandálias do Mestre , 3ª edição revista e aumentada
  • Escritos do Crescente

[ii]
Palestina - A Saga de um Povo
Al-Khudayri, Tariq Hugin Editores, 2002. ISBN: 9727941370 / 972-794-137-0EAN: 9789727941377

28 janeiro, 2009

Do lado errado

Um texto datado de 24.01.2009 da autoria de Uri Avnery, do Gush Shalom (Bloco da Paz), uma organização israelita que se bate pela Paz na Palestina e em Israel, onde analisa o discurso de tomada de posse de Barack Obama.
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DE TODAS as belas frases que Barack Obama proferiu no seu discurso de tomada de posse, estas são as palavras que ficaram presas na minha memória:

"Estão do lado errado da história".

Obama referia-se aos regimes ditatoriais no mundo. Mas nós, também, devemos reflectir sobre estas palavras.

Nos últimos dias tenho ouvido inúmeras declarações de Ehud Barak, Tzipi Livni, Binyamin Netanyahu e Ehud Olmert. E de cada vez que as oiço, estas oito palavras voltam para me assombrar: "Estão do lado errado da história".

Obama estava a falar como um homem do século XXI. Os nossos líderes (israelitas) falam a linguagem do século XIX. Eles lembram-me os dinossauros que antes aterrorizavam a sua vizinhança sem que notassem que o seu tempo já tinha passado.

DURANTE a cerimónia, uma e outra vez, o mosaico multicolorido da família do novo presidente foi mencionado.

Todos os 43 presidentes anteriores eram brancos protestantes, excepto John Kennedy, que era um branco católico.

38, entre eles, foram descendentes de imigrantes das Ilhas Britânicas.

Dos outros cinco, três foram de ascendência holandesa (Theodor e Franklin D. Roosevelt, bem como Martin Van Buren) e dois de ascendência alemã (Herbert Hoover e Dwight Eisenhower).

O rosto da família Obama é muito diferente.

A família alargada inclui brancos e descendentes de escravos negros, africanos do Quénia, indonésios, chineses do Canadá, cristãos, muçulmanos e até mesmo um judeu (um convertido Afro-Americano).

Os dois primeiros nomes do presidente, Barack Hussein, são árabes.

Este é a face da nova nação americana - uma mistura de raças, religiões, países de origem e de cores de pele, uma sociedade aberta e diversificada, onde todos os seus membros são supostamente iguais e identificam-se com os "pais fundadores".

O americano Barack Hussein Obama, cujo pai nasceu num vilarejo do Quénia, pode falar com orgulho do "George Washington, o pai da nossa nação", da "Revolução Americana" (a guerra de independência contra os britânicos), e manter o exemplo dos "nossos antepassados", que incluem tanto os pioneiros brancos como os negros escravos que "sofreram o açoite do chicote".

Essa é a percepção de uma nação moderna, multi-cultural e multi-racial: uma pessoa pertence-lhe ao adquirir cidadania, e a partir desse momento, é o herdeiro de toda a sua história.

Israel é o produto do estreito nacionalismo do século XIX, um nacionalismo fechado e exclusivo, com base na raça e na origem étnica, no sangue e na terra.

Israel é um "Estado judeu", e um judeu é uma pessoa nascida judia ou convertida de acordo com a lei religiosa judaica (Halakha).

Tal como o Paquistão e a Arábia Saudita, Israel é um estado cuja dimensão espiritual é em grande medida condicionada pela religião, raça e origem étnica.

Quando Ehud Barak fala sobre o futuro, ele fala a linguagem de séculos passados, em termos de força bruta e ameaça brutal, com exércitos fornecendo a solução para todos os problemas.

Essa foi também a linguagem de George W. Bush, que na semana passada se escapou furtivamente de Washington, uma linguagem que já soa aos ouvidos ocidentais como um eco do passado distante.

As palavras do novo presidente ressoam no ar:

"O nosso poder por si só não pode proteger-nos, nem nos dá o direito de fazer o que nos apetecer."

As palavras-chave foram "humildade e moderação".

Os nossos líderes estão agora ostentando a sua participação na Guerra de Gaza, na qual desenfreada força militar foi desencadeada intencionalmente contra uma população civil, homens, mulheres e crianças, com o objectivo declarado de "criação de dissuasão".

Na era que se iniciou terça-feira passada, essas expressões só podem despertar horror.

ENTRE Israel e os Estados Unidos abriu-se uma fissura, esta semana, uma estreita fissura, quase invisível - mas ela pode abrir-se num abismo.

Os primeiros sinais são pequenos.

No seu discurso de tomada de posse, proclamou Obama que:

"Somos uma nação de cristãos e de muçulmanos, judeus e hindus - e de não-crentes."

Desde quando?

Desde quando é que os muçulmanos precederam os judeus?

O que aconteceu com o "Património judaico-cristão"? (Uma ideia completamente falsa para começar, já que o Judaísmo está muito mais próximo do Islamismo do que do Cristianismo. Por exemplo: nem o Judaísmo nem o Islamismo apoiam a separação entre religião e estado).

Na manhã seguinte, Obama telefonou a alguns líderes do Médio Oriente.

E decidiu ter um gesto bastante singular: fazendo a primeira chamada para Mahmoud Abbas e só depois telefonando a Olmert.

A media israelita não teve estômago para tanto.

O Haaretz, por exemplo, falsificou conscientemente a informação escrevendo - e não uma vez, mas duas vezes sobre a mesma questão - que Obama teria telefonado a "Olmert, Abbas, Mubarak e ao rei Abdallah" (por essa ordem).

Em vez do grupo de judeus americanos que haviam sido responsáveis pelo conflito israelo-palestiniano durante as administrações de Clinton e de Bush, Obama, no seu primeiro dia no cargo, nomeou um árabe-americano, George Mitchell, cuja mãe havia chegado à América vinda do Líbano com 18 anos, e que, órfão de seu pai irlandês, foi criado por uma família libanesa cristã-maronita.

Estas não são boas notícias para os dirigentes israelitas.

Nos últimos 42 anos, têm prosseguido uma política de expansão, ocupação e de colonização em estreita cooperação com Washington.

Têm confiado no ilimitado apoio americano, desde a oferta massiva de dinheiro e de armas, ao uso do veto no Conselho de Segurança. Este apoio foi essencial para sua política. Este apoio poderá agora ter atingindo o seu termo.
Vai acontecer, naturalmente, de forma gradual.

O lobby pró-Israel em Washington vai continuar a colocar o medo de Deus no Congresso. Um navio enorme como os Estados Unidos só pode mudar de rumo muito lentamente, numa curva suave. Mas a mudança começou já no primeiro dia da administração Obama.

Isso não poderia ter acontecido, se a própria América não tivesse mudado.

Não se trata apenas de uma mudança política. É uma mudança na visão do mundo, na mentalidade, nos valores.

Um certo mito americano, que é muito semelhante ao mito sionista, foi substituído por um outro mito americano. Não é por acaso que Obama dedica ao tema uma tão grande parte do seu discurso (no qual, por sinal, não houve uma única palavra sobre o extermínio dos nativos americanos).

A Guerra de Gaza, durante a qual dezenas de milhões de americanos viram a horrível carnificina na Faixa de Gaza (mesmo que uma rigorosa auto-censura, cortasse quase tudo excepto uma ínfima parte), acelerou o processo de afastamento.

Israel, a corajosa irmãzinha, o fiel aliado de Bush na "guerra ao terror", tornou-se no violento Israel, o monstro enlouquecido, que não tem qualquer compaixão pelas mulheres e crianças, os feridos e os doentes. E quando ventos destes estão soprando, o Lobby perde peso.

Os líderes de Israel não deram conta. Eles não sentiram, quando Obama os colocou num outro contexto, que "o terreno fugira debaixo deles." Eles pensam que este não é mais do que um problema político temporário que pode ser resolvido a contento com a ajuda do Lobby e dos membros servis no Congresso.

Os nossos líderes continuam intoxicados com a guerra e embriagados com a violência.

Refraseando a famosa expressão do general prussiano, Carl von Clausewitz: "A guerra é apenas a continuação de uma campanha eleitoral mas por outros meios." Competem, uns contra os outros, vangloriando-se e bazofiando pela sua parte dos "créditos".

Tzipi Livni, que não pode competir com os homens para a coroa de senhor da guerra, tenta supera-los na tenacidade, na belicosidade, e na dureza de coração.

O mais brutal é Ehud Barak.

Uma vez chamei-lhe "criminoso da paz", porque levou ao fracasso a conferência de Camp David, em 2000, e destruiu o campo da paz em Israel.

Agora, devo chamá-lo de "criminoso de guerra", pois que planificou a Guerra de Gaza sabendo que iria assassinar massivamente civis.

Aos seus próprios olhos e aos olhos de uma grande parte do público, esta é uma operação militar, que merece todos os elogios.

Os seus assessores também pensaram que esta operação iria trazer-lhe sucesso nas eleições.

O partido trabalhista, que tinha sido o maior partido no Knesset durante décadas, tinha encolhido nas sondagens para 12, até 9 lugares, num total de 120.

Com a ajuda da atrocidade de Gaza subiu agora para os 16, se tanto. Não é uma vitória retumbante e não há nenhuma garantia de que não se vá afundar novamente.

Qual foi o erro de Barak?

Muito simples: qualquer guerra ajuda a direita. A Guerra, por sua própria natureza, desperta na população as mais primitivas emoções - ódio e medo, medo e ódio.

Estas são as emoções que a Direita tem cavalgado por séculos.

Mesmo quando é a "Esquerda", que começa uma guerra, ainda é a direita que dela beneficia.

Num estado de guerra, a população prefere uma honesto-e-bondoso direitista que um impostor esquerdista.

Isso está acontecendo com Barak pela segunda vez.

Quando, em 2000, ele espalhou o mantra "Tenho virado cada pedra no caminho para a paz, / Tenho feito aos palestinos ofertas sem precedentes, / Eles rejeitaram tudo, / Não há ninguém com quem falar" -, conseguiu não só estilhaçar a esquerda, mas também preparar o caminho para a ascensão de Ariel Sharon nas eleições de 2001.

Agora, está preparando o caminho para Binyamin Netanyahu (esperando, claramente, tornar-se o seu ministro da Defesa).

E não só para ele.

O verdadeiro vencedor da guerra é um homem que não teve parte em nada dela: Avigdor Liberman.

O seu partido, que, em qualquer país normal seria chamado de fascista, tem vindo a subir nas sondagens. Por quê? Porque Liberman parece e soa como um Mussolini israelita, ele odeia os árabes desenfreadamente, um homem do mais brutal vigor. Comparado a ele, inclusive Netanyahu parece um “fraco”.

Uma grande parte da geração jovem, alimentada por anos de ocupação, mortandade e destruição, depois de duas guerras atrozes, considera-o um líder digno.
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ENQUANTO OS E.U.A. deram um gigantesco salto à esquerda, Israel está prestes a saltar ainda mais para a direita.

Quem viu os milhões agitando-se em Washington, no dia da tomada de posse. sabe que Obama não estava a falar apenas para si próprio. Ele expressava as aspirações do seu povo, o espírito da sua época (Zeitgeist).

Entre a mentalidade de Obama e a mentalidade de Liberman e de Netanyahu não há qualquer contacto. Entre Obama e Livni e Barak (Ehud) também se escancara um abismo.

A pós-eleição de Israel poderá encontrar-se em rota de colisão com o pós-eleitoral da América.

Onde estão os judeus americanos?

A esmagadora maioria deles votaram a favor de Obama. Ficaram entre o martelo e da bigorna - entre o seu governo e a sua natural simpatia por Israel.

É razoável supor, por isso, que irão exercer pressão sobre os "líderes" do judaísmo americano, que aliás nunca foram eleitos por ninguém, e sobre organizações como a AIPAC.(The American Israel Public Affairs Committee – America’s Pro-Israel Lobby).

O forte bordão, aonde os dirigentes israelitas estão habituados a encostar-se em momentos de angústia, poderá revelar-se não ter qualquer valor.

A Europa, também, não é intocável pelos novos ventos.

É verdade que, no final da guerra, vimos os líderes da Europa - Sarkozy, Merkel, Browne e Zapatero - sentados como crianças de escola, atrás de uma mesa, na sala de aula, a ouvir, respeitosamente, as mais abomináveis e arrogantes posições de Ehud Olmert, recitando seu texto, depois dele.

Pareciam aprovar as atrocidades da guerra, falando dos Qassams e esquecendo a ocupação, o bloqueio e os colonatos. Provavelmente não irão pendurar esta foto nas paredes do seu escritório.

Mas durante esta guerra multidões de europeus, vieram em torrentes para as ruas manifestando-se contra os horríveis acontecimentos. As mesmas multidões que saudaram Obama no dia da sua tomada de posse.

Este é o novo mundo. Talvez os nossos dirigentes já estejam sonhando com o slogan: "Pare o mundo, quero descer!" Mas não existe um outro mundo.

SIM, AGORA ESTAMOS no lado errado da história.

Felizmente, há também um outro Israel.

Não está na ribalta, e sua voz é ouvida apenas por aqueles que a querem escutar.

Este é um Israel são e racional, virado para um futuro, de progresso e de paz.

Nas próximas eleições, a sua voz vai ser fracamente ouvida, porque todos os velhos partidos estão firmemente assentes no mundo de ontem.

Mas o que aconteceu nos Estados Unidos terá uma profunda influência sobre o que acontecerá em Israel. A imensa maioria dos israelitas sabe que não poderão existir sem se manterem estreitos laços com os E.U.A.

Obama é agora o líder do mundo, e nós vivemos neste mundo.

Quando ele promete trabalhar "agressivamente" para a paz entre nós e os palestinos, é uma ordem de marcha para nós.

Queremos estar do lado certo da história. Isso vai levar meses ou anos, mas estou certo de que vamos chegar lá. O tempo de começar é agora.

26 janeiro, 2009

"Palestina" de Mahmoud Darwich

só me resta
perder-me pela tua sombra, que é a minha.
só me resta
habitar a tua voz, que é a minha.

afastei-me da cruz estendida
como claridade em horizonte que não se inclina
até ao mais minúsculo monte que a vista alcança
mas não achei minha ferida, minha liberdade.

porque não sei onde moras
não encontro o caminho,
e porque meu dorso não se apoia em ti com pregos
inclinei-me tanto
como teus céus fazem
a quem espreita de escotilhas de avião

devolve-me os pedaços do meu nome
para que possa convocar as fibras das árvores
devolve-me as letras do meu rosto
para que possa chamar as tempestades próximas
devolve-me as razões do meu prazer
para que possa invocar esse regresso sem razão

porque a minha voz está seca como pau de bandeira
e a minha mão vazia como o hino nacional
porque a minha sombra é ampla como se fora uma festa
e os traços do meu rosto se passeiam de ambulância,
porque eu não sou mais do que isto:
o cidadão de um reino que não nasceu ainda.

Mahmud Darwich (Palestina, 1942) - Tradução de Adalberto Alves.
In. “Palestina: A saga de um Povo”, Al-Khudayri, Tariq, Hugin Editores, 2002.
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Mahmoud Darwich nasceu em 1941 em Al-Birwa, um povoado da Galileia que a sua família foi obrigada a abandonar, para fugir para o Líbano, quando ele tinha apenas sete anos.

A localidade foi destruída na guerra ocorrida após a criação do Estado de Israel e que marcou o início da perseguição de todo o Povo palestino.

Este exílio forçado marcou toda sua obra e forjou o seu compromisso político, que cumpriu até à sua morte.

Após ter retornado do Líbano com a família, Darwich morou em várias regiões palestinas e foi preso, por diversas vezes, pelas autoridades israelitas por causa dos seus escritos e da sua actividade política contra a ocupação.

Com 22 anos, publicou Leaves of Olives (Folhas de Oliveira), - o primeiro dos 20 livros de poesia que escreveu, junto a outros cinco de prosa -e cedo se tornou um membro da Organização de Libertação da Palestina de Yasser Arafat.
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Em 1970, foi mais uma vez obrigado a abandonar a sua terra exilando-se, primeiro em Moscovo, e depois em várias capitais árabes, até chegar a Ramala.

Até sua morte, ele conseguiu conciliar a política e a poesia com determinação, embora nem sempre com facilidade.

Em várias ocasiões memoráveis, fundiu esses dois mundos como, por exemplo, quando se sentou para escrever o discurso de Arafat à Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1974, onde incluiu a famosa frase:

"Hoje, cheguei trazendo um ramo de oliveira e a arma de um lutador pela liberdade. Não deixem que o ramo de oliveira caia da minha mão. "

Foi o autor da Declaração da Independência da Palestina, em 1988, o que lhe valeu, junto com sua obra em defesa da liberdade e da sua terra, a alcunha de "poeta da resistência", apesar de também ter escrito sobre a vida e o amor.

Darwich fez parte do comité executivo da OLP, cargo ao qual renunciou em protesto contra os Acordos de Oslo, em 1993.

Morreu no passado dia 10 de Agosto de 2008, por o seu coração já não poder conter a vida.

23 janeiro, 2009

Guerra e gás natural: A invasão de Israel e os campos de gás no offshore de Gaza

Michel CHOSSUDOVSKY


A invasão militar da Faixa de Gaza pelas forças israelenses prende-se directamente com o controlo e propriedade das reservas estratégicas de gás natural na sua plataforma marítima. Esta é uma guerra de conquista.

Descobertas em 2000, são extensas as reservas de gás presentes ao longo do offshore de Gaza. À British Gas (BG Group) e ao seu parceiro Consolidated Contractors International Company (CCC) com sede em Atenas, propriedade das famílias libanesas Sabbagh e Koury, foram dados os direitos de exploração de petróleo e gás num acordo de 25 anos assinado em Novembro de 1999 com a Autoridade Palestina.

Os direitos de exploração costeira das jazidas de gás são, respectivamente, da British Gas (60%); Consolidated Contractors (CCC) (30%); e o Fundo de Investimento da Autoridade Palestina (10%). ( Haaretz, 21/Outubro/2007).

O tratado AP-BG-CCC inclui o desenvolvimento da jazida e a construção de um gasoduto. (Middle East Economic Digest, 05/Janeiro/2001).

A licença da BG cobre toda a zona marítima costeira de Gaza, que é contígua a várias instalações de gás marítimas de Israel (ver mapa abaixo).

Mapa 1

De ressalvar que 60 por cento das reservas de gás ao longo do litoral Gaza-Israel pertencem à Palestina.

O BG Group abriu dois furos em 2000: Gaza Marine-1 e Gaza Marine-2 . As reservas, segundo estimativa da British Gas, são da ordem dos 40 mil milhões de metros cúbicos [1,4 x 10 12 pés cúbicos], avaliados em aproximadamente 4 mil milhões de dólares. Estes são os números anunciados pela British Gas. A dimensão das reservas de gás da Palestina pode ser bastante maior.
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Mapa 2

QUEM POSSUI OS CAMPOS DE GÁS

O tema da soberania sobre os campos de gás de Gaza é crucial. Do ponto de vista legal, as reservas pertencem à Palestina.

A morte de Yasser Arafat, a eleição do governo do Hamas e a ruína da Autoridade Palestiniana permitiram a Israel estabelecer um controlo de facto sobre as reservas de gás costeiras de Gaza.

A British Gas (BG Group) tem estado a negociar com o governo de Tel Aviv. Por sua vez, o governo do Hamas foi ignorado no que se refere à exploração e direitos de desenvolvimento das jazidas de gás.

A eleição do primeiro-ministro Ariel Sharon em 2001 foi um ponto de viragem.

A soberania da Palestina sobre as reservas costeiras de gás foi desafiada no Supremo Tribunal de Israel. Sharon afirmou inequivocamente que "Israel nunca compraria gás à Palestina", insinuando ainda que as reservas costeiras de Gaza pertenciam a Israel.

Em 2003 Ariel Sharon vetou um acordo inicial que permitiria à British Gas fornecer a Israel gás natural vindo dos furos costeiros de Gaza. ( The Independent, 19/Agosto/2003)

A vitória do Hamas nas eleições de 2006 conduziu ao fim da Autoridade Palestiniana, que ficou confinada à Cisjordânia, sob o regime fantoche de Mahmoud Abbas.

Em 2006, a British Gas "esteve próxima de assinar um acordo para enviar o gás para o Egipto." ( Times, 23/Maio/2007). De acordo com o relatado, o primeiro-ministro britânico Tony Blair interveio em nome de Israel com o propósito de bloquear o acordo com o Egipto.

No ano seguinte, em Maio de 2007, o governo israelense aprovou a proposta do primeiro-ministro Ehud Olmert "para comprar gás à Autoridade Palestiniana".

O contrato proposto foi de 4 mil milhões de dólares, com lucros na ordem dos 2 mil milhões de dólares, dos quais mil milhões iriam para os palestinianos. Tel Aviv, no entanto, não tinha qualquer interesse em dividir os seus ganhos com a Palestina.

Uma equipa de negociadores de Israel foi encarregada pelo governo de refazer o acordo com a BG Group, sem intervenção do governo do Hamas e da Autoridade Palestiniana:

"As autoridades militares israelenses querem que os palestinianos sejam pagos em bens e serviços e insistem que não haja qualquer dinheiro a ser entregue ao governo controlado pelo Hamas". (Ibid, ênfase acrescentada)

O objectivo era essencialmente anular o contrato assinado em 1999 entre o BG Group e a Autoridade Palestina sob Yasser Arafat.

Segundo o acordo proposto em 2007 à BG, o gás palestiniano dos poços costeiros de Gaza seria canalizado por um gasoduto marítimo para o porto israelense de Ashkelon, transferindo portanto o controlo da venda do gás natural para Israel. O negócio falhou. As negociações foram suspensas:
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"O chefe da Mossad, Meir Dagan, opôs-se à transacção por motivos de segurança, afirmando que o dinheiro serviria para financiar o terrorismo". (Gilad Erdan, deputado do Knesset, dirigiu-se à câmara, acerca da "Intenção do primeiro-ministro adjunto Ehud Olmert de comprar gás aos palestinianos quando o pagamento servirá o Hamas", 01/Março/2006, citado pelo general na reserva Moshe Yaalon em Does the Prospective Purchase of British Gas from Gaza's Coastal Waters Threaten Israel's National Security? Jerusalem Center for Public Affairs, Outubro 2007).
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A intenção de Israel era impedir a possibilidade de o dinheiro ser recebido pelos palestinos.
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Em Dezembro de 2007 o BG Group retirou-se das negociações e em Janeiro de 2008 encerrou os seus escritórios em Israel. (sítio web da BG).

PLANO DE INVASÃO NA MESA DE PROJECTOS

O plano de invasão da Faixa de Gaza sob a "Operação Chumbo Fundido" foi iniciado em Junho de 2008, segundo fontes militares israelenses:

"Fontes militares afirmam que o ministro da Defesa Ehud Barak deu instruções às forças de defesa de Israel (IDF) para prepararem a operação há mais de seis meses (Junho ou antes de Junho), mesmo antes de Israel começar a negociar o acordo de cessar-fogo com o Hamas". (Barak Ravid, Operation "Cast Lead": Israeli Air Force strike followed months of planning [Operação "Chumbo Fundido": Ataque da Força Aérea Israelense após meses de planeamento], Haaretz, 27 de Dezembro de 2008)

Nesse mesmo mês as autoridades de Israel contactaram a British Gas, com vista a retomarem as negociações cruciais para recomeçar a compra do gás natural de Gaza:

"Tanto o director-geral do ministério das Finanças Yarom Ariav como o director-geral do ministério das Infraestruturas Nacionais Hezi Kugler concordaram em informar a BG do desejo de Israel em retomar as conversações. As fontes informam ainda que a BG não respondeu oficialmente ao pedido de Israel, mas que executivos da empresa provavelmente virão ao país em poucas semanas para conversar com membros do governo." (Globes online- Israel's Business Arena, 23 de Junho, 2008)

A decisão de acelerar as negociações com a British Gas (BG Group) coincidiu cronologicamente com o planeamento da invasão de Gaza, iniciado em Junho. Parecia que Israel estava ansiosa para chegar a acordo com o BG Group antes da invasão, que estava já numa fase avançada do planeamento.

Mais ainda, as negociações com a British Gas foram conduzidas pelo governo de Ehud Olmert com o conhecimento de que a invasão militar estava na mesa de projectos e que um novo acordo politico-territorial para a Faixa de Gaza estava a ser contemplado por Israel.

De facto, as negociações entre a British Gas e os representantes israelenses ainda estavam a decorrer em Outubro de 2008, dois a três meses antes do início dos bombardeamentos a 27 de Dezembro.

Em Novembro de 2008, os ministérios israelenses das Finanças e das Infraestruturas Nacionais deram indicações à IEC (Israel Electric Corporation) para começar a compra de gás natural à concessão da BG em Gaza. (Globes, 13/Novembro/2008)

"O director-geral do ministério das Finanças, Yarom Ariav e o director-geral do ministério das Infraestruturas Nacionais, Hezi Kugler, escreveram recentemente ao presidente da IEC, Amos Lasker, informando-o da decisão do governo de permitir que negociações começassem, em consonância com o quadro de referência aprovado este ano.

A direcção da IEC, liderada pelo presidente Moti Friedman, aprovou os princípios da proposta do quadro de referência há poucas semanas. As conversações com o BG Group começarão assim que a direcção aprove a isenção de uma licitação". (Globes, 13 de Novembro, 2008)

GAZA E GEOPOLÍTICA ENERGÉTICA

A ocupação militar de Gaza tem o objectivo de transferir a soberania dos campos de gás para Israel, em violação das leis internacionais.

O que se pode esperar em consequência da invasão?

Qual é a intenção de Israel em relação às reservas de gás natural da Palestina?

Um novo acordo territorial, com a instalação de Israel e/ou tropas de "manutenção da paz"?

A militarização de todo o litoral de Gaza, que é estratégico para Israel?

O confisco puro e simples dos campos de gás palestinos e a declaração unilateral da soberania israelense sobre as áreas marítimas de Gaza?

Se isto ocorresse, as jazidas de gás de Gaza seriam integradas nas instalações costeiras de Israel, que são contíguas às da Faixa de Gaza. (Ver Mapa 1 acima).

Estas várias instalações costeiras estão ligadas ao corredor de transporte energético que se estende do porto de Eilat, um terminal de oleodutos no Mar Vermelho para transporte marítimo, até ao terminal de Ashkelon e na direcção norte para Haifa, eventualmente ligando-se através de um projectado gasoduto israelo-turco com o porto turco de Ceyhan. Ceyhan é o terminal das condutas Trans-Caspianas: Baku, Tblisi, Ceyhan (BTC).

"O que está planeado é ligar as condutas BTC às condutas Trans-Israel Eilat-Ashkelon, também conhecida como a Tipline de Israel." (Ver Michel Chossudovsky, The War on Lebanon and the Battle for Oil (A Guerra com o Líbano e a batalha pelo petróleo), Global Research, 23/Julho/2006).
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Mapa 3
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Autor: Michel Chossudovsky
Canadiano, economista, professor de Economia da Universidade de Otava.
Chossudovsky leccionou como professor visitante em universidades na Europa Ocidental, América Latina e sudeste da Ásia, tem actuado como conselheiro económico de governos dos países em desenvolvimento e tem trabalhado como consultor para organizações internacionais, incluindo o Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), o Banco Africano de Desenvolvimento, o Instituto Africano para o Desenvolvimento Económico e Planeamento (AIEDEP), o Fundo da População das Nações Unidas (UNFPA), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial de Saúde (OMS), a Comissão Económica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

Em 1999, Chossudovsky, ingressou na Transnational Foundation for Peace and Future Research como conselheiro. Membro de organizações de investigação, que incluem o Comité das Estatísticas Monetárias e Reforma Económica (COMER), o Geopolitical Drug Watch (OGD) (Paris) e o International People's Health Council (IPHC).


Chossudovsky é um activista do movimento anti-guerra no Canadá, e tem escrito extensivamente sobre a guerra na Jugoslávia.

Após os ataques terroristas de 11 de Setembro tem-se envolvido em esclarecer a relação histórica entre o governo dos E.U.A., Bin Laden e a Al Qaeda.

Colaborador frequente do Le Monde Diplomatique, Third World Resurgence e Covert Action Quarterly.

As suas obras já foram traduzidas em mais de vinte idiomas.

O seu último livro é intitulado: America’s "War on Terrorism"

Editor no
Centro de Investigação sobre Globalização.

O Centro de Investigação sobre Globalização afirma estar "empenhado em refrear a onda de" globalização "e" desarmar "a nova ordem mundial".
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Tradução de João Camargo
João Camargo é colaborador do site http://resistir.info/, parceiro da Tlaxcala, a rede de tradutores pela diversidade linguística.
(Esta tradução pode ser reproduzida livremente na condição de que sua integridade seja respeitada, bem como a menção ao autor, aos tradutores, aos revisores e à fonte.)

22 janeiro, 2009

Anúncio "Mãos Sangrentas" a publicar em Israel

Uri Avnery enviou-nos o texto do anúncio que vai ser colocado no Haaretz, no dia 23 de Janeiro, pelo Gush Shalom (Bloco da Paz), que traduzimos e que aqui deixamos:

A guerra deve acabar
Com uma troca de prisioneiros[1]:
O lutador Gilad Shalit
Deve regressar de Gaza
E os lutadores palestinos
De Israel.

"Mãos sangrentas"
Nunca mais pode ser um obstáculo:
Os nossos generais e ministros
Tem em suas mãos
O sangue das crianças palestinas.

O nosso governo de mãos ensanguentadas
Deve libertar
os prisioneiros de mãos ensanguentadas
Por Gilad Shalit -
O único que não tem
sangue nas suas mãos.

[1] No texto original. POW (prisoner of war)

Se quiserem ajudar a pagar as actividades e os anúncios do Gush Shalom, podem enviar os vossos cheques para:

Gush Shalom, P.O.Box 3322, Tel-Aviv 61033

Os contactos são:
972-3-5221732
www.gush-shalom.org
info@gush-shalom.org

20 janeiro, 2009

Unilateral + Unilateral = Bilateral


"Todo o acordo de cessar-fogo tem dois lados", disse hoje (19) o antigo membro do Parlamento Israelita (Knesset) e activista do Gush Shalom, Uri Avnery (1).

"A proclamação arrogante e unilateral feita por Olmert e por Barak, frente às câmaras de televisão, não pararam o disparo de mísseis contra o Negueve, que continuou ainda esta manhã.

Somente quando o Hamas, por sua vez, acrescentou um cessar-fogo unilateral, foi criado um cessar-fogo bilateral na prática, permitindo que o tiroteio parasse na prática.

Por fim atingimos um momento de sanidade, o fim de um terrível banho de sangue, que chocou as pessoas por todo o mundo e que os levou a sair em protesto pelas ruas de cidades de todo o mundo - inclusive nas ruas das cidades de Israel.

Mas, o derramamento de sangue poderá explodir, ainda mais terrível, se o governo persistir na loucura de ignorar o facto principal: o Hamas foi e continua a ser a potência dominante na Faixa de Gaza, mesmo quando o seu poder militar está ferido - devido a uma forte base de apoio entre a população palestina.

Não há solução - quer para os problemas imediatos e urgentes quer para os de longo prazo - sem falar com o Hamas, quer directamente quer através de mediadores.

As tropas israelitas devem ser imediatamente retiradas da Faixa de Gaza, o cerco levantado, e as passagens entre a Faixa e o mundo exterior amplamente abertas.

Os habitantes de Gaza, como os de qualquer outro lugar no mundo, têm todo o direito de abandonar o seu país e de a ele regressar por terra, mar e ar, reavivar e desenvolver a sua economia, exportando os seus produtos e importando o que for que precisem, sem pedir permissão a ninguém.

Devem ser abertas rapidamente negociações de forma a permitir o regresso rápido às suas casas e famílias do soldado israelita Gilead Shalit, capturado pelo Hamas, e de um número significativo de prisioneiros palestinos das prisões israelitas.

O governo tem que pagar o preço fixado, há muito, para a libertação de Shalid, e toda esta terrível guerra em Gaza não mudou isso.

O argumento hipócrita do "sangue nas mãos", levantado contra este tipo de acordo, deve ser removido dos vocabulários de uma vez por todas.

Pelo menos metade dos 1300 palestinos mortos pelo Estado de Israel nas últimas semanas eram civis desarmados, incluindo centenas de crianças. De agora em diante, a expressão "sangue nas mãos" na boca de um político ou militar israelita será uma triste zombaria ou simples descaramento".

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(1) Uri Avnery, jornalista, escritor, parlamentar e activista pela Paz em Israel é um dos fundadores em 1993, do movimento Gush Shalom (Bloco pela Paz).

Nasceu no seio de uma família da classe média a 10 de Setembro de 1923, em Beckum, na Alemanha, como Helmut Ostermann. Com a subida dos nazis ao poder em 1933, a família emigrou para a Palestina.
Aos 15 anos (1938) alistou-se no Irgun, uma organização de direita sionista.

Na Guerra Israelo-árabe de 1948 foi ferido com gravidade

De 1950 a 1990 foi membro da revista Haolam Haseh.

Como defensor do laicismo que separa o Estado da religião, opõe-se à influência do judaísmo ortodoxo na política israelita e propõe um “Israel sem sionismo” para libertar o Estado da carga histórica que na sua visão complica o processo de Paz.

15 janeiro, 2009

Israel transgride novamente a Lei do Mar

A marinha israelita forçou um navio que transportava mais de uma tonelada de suprimentos médicos para a Faixa de Gaza a voltar para o alto mar esta madrugada.

Segundo o “Free Gaza”, um movimento de defesa dos direitos humanos, que fretou o “Spirit of Humanity”, barcos de guerra israelitas cercaram o navio em águas internacionais, a cerca de 100 milhas a partir de Gaza.

A organização Free Gaza afirmou que tinha enviado uma notificação oficial ao governo israelita informando-o da sua intenção de navegar até Gaza, desafiando o bloqueio naval e que as autoridades cipriotas tinham inspeccionado o barco, a seu pedido, antes de ter deixado o porto de Lanarca na passada terça-feira, certificando que este só transportava material humanitário.

De acordo com passageiros no barco, os navios de guerra israelitas rodearam o “Spirit of Humanity” ameaçando disparar caso ele não voltasse para trás.

O navio transportava, entre tripulação e passageiros, 21 pessoas passageiros, incluindo 3 médicos, jornalistas e membros do parlamento europeu, bem como material médico e medicamentos para os hospitais de Gaza.

O Free Gaza organizou quatro viagens bem sucedidas a Gaza, a primeira das quais em 23 de Agosto de 2008 rompendo assim o bloqueio naval imposto por Israel, após o Hamas ter assumido o controlo da Faixa de Gaza, em Junho de 2007.

A última tentativa, no entanto, terminou em 30 de Dezembro, quando um barco de guerra israelita abalroou, o navio “Dignity”, que teve de ser então desviado para o Líbano, para reparações.

Esta acção da marinha israelita ameaçando um navio desarmado, em missão humanitária, é uma violação flagrante do direito marítimo internacional e da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, que estabelece que "…o alto-mar deve ser reservado para fins pacíficos."
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No Público também é notícia.

09 janeiro, 2009

Perante a chacina... a solidariedade é um imperativo ético.

Comunicação proferida pelo Dr. Carlos Almeida, investigador científico, na sessão de solidariedade com a Palestina, realizada em Lisboa, na Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, a 7 de Janeiro de 2008 e promovida pelo MPPM - Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente.

(A formatação do texto é da responsabilidade do Fórum Palestina.)

No dia 4 de Novembro de 2008, pelas 20.30 horas, uma unidade de infantaria do exército de Israel penetrou na aldeia de Wadi al-Salqa, na zona central da faixa de Gaza.

Os soldados apoderaram-se de uma casa que utilizaram como base, mantendo a família como refém numa divisão da casa.

A partir daquele ponto cercaram uma casa vizinha, ordenando a saída das cerca de vinte e três pessoas que ali viviam. Quando os residentes abandonavam a casa, Haneen Salah al-Humaidi foi ferido nas costas por disparos dos soldados.

No entretanto, militantes do Hamas ripostaram à incursão do exército israelita.

Aquela unidade militar recebeu reforços apoiados pela força aérea.

Cerca das 22.30 horas, um míssil disparado por um avião militar israelita vitimou Mazen Nazmi Abu Sa'da.

Nas primeiras horas do dia seguinte, o exército israelita destruiu a casa de al-Humaidi, arrasou cerca de 25 mil metros quadrados de terrenos agrícolas e prendeu seis membros da família, entre os quais quatro mulheres.

No dia 5 de Novembro, em Khan Yunis, cerca da meia-noite, dois mísseis disparados pela aviação israelita vitimaram quatro militantes do Hamas, e cerca de uma hora depois, dois outros mísseis, disparados sobre a aldeia de al-Qarara, mataram outro militante do Hamas (1).

Naquele mesmo dia 4 de Novembro, em Toubas, cerca de 21 quilómetros a nordeste de Nablus, na Margem Ocidental, cerca da 1.10h da madrugada, o exército israelita penetrou no campo de refugiados de al-Far'a, impondo o recolher obrigatório.

Várias casas foram inspeccionadas e destruídas.

Em protesto, alguns dos residentes lançaram pedras contra os soldados que abriram fogo sobre a população.

Sete pessoas, com idades compreendidas entre os 11 e os 54 anos, ficaram feridas, duas delas com gravidade.

Um dos feridos era um funcionário da UNRWA que se encontrava em serviço no local devidamente identificado (2).

No dia 6 de Novembro, cerca das 9.55 horas, um grupo de agricultores palestinos trabalhava no cultivo das suas terras numa região situada a leste de Khan Yunis, junto à linha de fronteira entre Israel e a faixa de Gaza. Estavam acompanhados por monitores estrangeiros do Movimento de Solidariedade Internacional claramente identificados.

Não obstante repetidas demonstrações sobre o carácter pacífico da sua actividade, uma patrulha do exército israelita abriu fogo sobre os agricultores que foram obrigados a abandonar o local (3).

Três dias depois, a família Al-Kurd foi expulsa, pelo exército israelita, da casa onde vivia, desde 1956, em Jerusalém Oriental. Situada no bairro de Sheik Jarrah, esta foi a primeira de uma série de 28 habitações de palestinos que Israel pretende desalojar para construir no local o colonato de Shimon Há Tsadiq – tsadiq significa justo – que integrará 200 casas.

Abu-Kamal, o patriarca da família, refugiado de Jaffa na guerra de 1948, morreria no hospital, cerca de vinte dias depois, com 62 anos de idade, deixando para trás, mulher, cinco filhos e respectivas famílias.

Durante semanas, a mulher, Umm-Kamal, abrigou-se numa tenda construída junto àquela que fora a sua casa. No dia 21 de Novembro, um bulldozer do exército destruiu a tenda.

No dia 2 de Dezembro, cerca das 15.30 horas, um avião militar israelita disparou um míssil sobre um grupo de crianças palestinas sentadas à beira da rua junto ao centro de saúde na aldeia de al-Shouka, a sudeste de Rafah, na faixa de Gaza, matando duas crianças de 15 e 16 anos, e ferindo com muita gravidade outras duas, de 14 e 17 anos (4).

Estas não são as notícias comuns nos noticiários televisivos.

Não fizeram manchetes em qualquer jornal português, nem sequer nos periódicos de referência europeus.

Fazem parte, no entanto, do dramático quotidiano dos palestinos que vivem nos territórios ocupados por Israel, são retalhos de uma luta tenaz pela sobrevivência, que em cada dia se completa e que em cada manhã se renova, persistente.

Mergulhados, confortavelmente, no nevoeiro da propaganda de guerra, os indefectíveis da política sionista ocultam e mascaram a insuportável ignomínia que é a ocupação, as humilhações, a opressão, as prisões, a tortura, a destruição, os assassínios, a exploração, o muro e os bloqueios.

Quando os governos de Israel decidem, tantas vezes em função da agenda política doméstica, escalar a repressão, como agora em Gaza, muito para lá dos limites do insuportável, silenciam o contexto que encerra a verdade do chamado conflito israelo-palestino, e tudo reduzem a uma culpa próxima, quase primordial, que legitimaria a violência mais indiscriminada e brutal.

Outros, a pretexto de uma suposta isenção que tem de cinismo e hipocrisia o que falta em coerência, deixam-se afundar na mesma nuvem, pronunciam compungidas palavras de compreensão para as “populações civis”, mas assobiam para o ar quando se trata de indagar sobre as razões fundas da guerra, e fecham os olhos aos gritos de dor que ecoam dos escombros de Jabalya e de Gaza.

Como todas, esta guerra tem as suas mentiras. Umas circunstanciais, outras mais constantes.

Sem a pretensão de esperar que a sua crítica e o seu esclarecimento chegue alguma vez a ser escutado por quem, de má fé, as repete, mas tão só por um imperativo solidário de quem não suporta a indiferença, e outro instrumento não tem que a sua voz e as palavras que ela pode pronunciar para expressar a sua revolta, vale a pena desfazer algumas das falsidades que animam os tambores da guerra e embalam os que, de forma cúmplice, lhe dão ânimo.

A propaganda israelita justificou o bombardeamento selvagem de Gaza com a suposta quebra, por parte do Hamas, da trégua implementada desde o dia 19 de Junho de 2008, em Gaza.

Essa alegação é falsa. Foi Israel que, reiteradamente, não cumpriu a sua parte do acordo de cessar-fogo negociado com a intermediação egípcia.

A acção militar desencadeada pelo seu exército, entre os dias 4 e 5 de Novembro em diferentes pontos de Gaza, a que se fez referência no início, e não a reacção sucessiva de várias organizações da resistência palestina, constituiu a verdadeira e decisiva ruptura nesse frágil estado de coisas.

O próprio Ehud Barak não deixou de reconhecer implicitamente a gravidade desses acontecimentos quando, em declarações reproduzidas no próprio dia 5 de Novembro pelas agências de informação, afirmava, de forma dúplice e calculada, a sua disposição em manter a trégua que Israel acabara de violar (5).

Na verdade, o ataque israelita abriu um processo de escalada contínua da violência, e induziu o agravamento das condições do bloqueio imposto sobre a população da faixa de Gaza que durava há 18 meses. E mesmo aí, repetidamente, o Hamas reafirmou, em mais do que uma ocasião, a sua disposição em manter a trégua iniciada a 19 de Junho se o Estado de Israel levantasse o cerco imposto a Gaza como estava obrigado (6).

Ademais, como se verificara aliás na ofensiva levada a cabo contra o Líbano, em 2006, é por demais evidente e nem sequer escondido por parte dos responsáveis militares israelitas, que esta operação militar foi planeada ao longo de muitos meses.

Em boa verdade, segundo diversas referências na imprensa israelita, não desmentidas, a sua preparação iniciou-se durante a própria negociação da trégua (7).

Ela insere-se nos planos gizados pelo chefe da Mossad, general Meir Dagan que, apesar de toda a turbulência política interna que Israel atravessa desde Ariel Sharon, foi recentemente confirmado naquele cargo pelo demissionário Ehud Olmert.

Apresenta uma clara similitude com a operação militar lançada em 2001 sobre a Autoridade Palestina e que conduziria ao cerco e posterior assassinato do Presidente Arafat.

A oportunidade do seu lançamento não está, por outro lado, desligada do calendário eleitoral israelita; como se, uma vez mais, a exibição da mais brutal violência sobre a população palestina constituísse um espécie de certificado de autenticidade necessário a qualquer político israelita com ambições políticas de governo.

Mas não foi apenas no plano estritamente militar que Israel incumpriu os termos da trégua.

Aqueles que acordaram para o conflito no dia em que tocaram as trombetas da guerra, e que logo se perfilaram nos seus postos, repetindo automaticamente a cartilha de Livni, Barak e Olmert, ignoram ou fazem por esquecer que, desde o início da trégua, Israel não desmantelou nem sequer aliviou o férreo bloqueio à circulação de pessoas e bens que impôs sobre a faixa de Gaza.

Que a sua população, estimada em mais de milhão e meio de pessoas vive, desde há cerca de 18 meses, encarcerada na sua própria terra, dependente da ajuda alimentar das Nações Unidas, impedida de cultivar as escassas terras de cultivo disponíveis, sem condições de escoamento para a sua limitada produção de azeitona – um dos poucos produtos agrícolas produzidos em Gaza – e proibida pelo exército e a marinha de guerra israelita de lançar os barcos de pesca ao mar.

Que a água que bebe tem um teor de salinidade muitas vezes superior ao que é admissível ou suportável e que mesmo essa, em resultado da destruição dos serviços e infra-estruturas básicas de sobrevivência, é um bem por demais escasso.

Que os milhares de túneis abertos na zona de Rafah, como todas as organizações humanitárias reconhecem, a começar pela Organização das Nações Unidas para os refugiados palestinos, constituem a única via de acesso a bens de primeira necessidade e que milhares de pessoas rastejam todos os dias com risco da própria vida para procurar, do outro lado da barreira, o sustento que escasseia em Gaza.

Que o bloqueio férreo à entrada de produtos de primeira necessidade tem uma consequência particularmente dramática quando se trata do abastecimento de medicamentos e de combustíveis.

É um eufemismo continuar a repetir que os hospitais de Gaza estão em situação desesperada; há muito que a rede de cuidados de saúde ultrapassou o ponto de ruptura, acorrendo apenas a situações críticas e graças ao esforço dos profissionais de saúde e a alguma, pouca, ajuda internacional.

O circuito, militar e policial, por que passa cada pedido de evacuação de um doente de um hospital de Gaza para o exterior é de tal modo labiríntico que, não poucas vezes, a morte sobrevém antes da tramitação de todo o processo (8).

Totalmente dependente da energia que recebe de Israel, a população de Gaza enfrenta o inverno sem luz, sem água, sem combustíveis, nem sequer para uso doméstico.

Mary Robinson, antiga Alta Comissária das Nações Unidas para os direitos Humanos afirmou à BBC, no dia 4 de Novembro, a propósito do impacto do bloqueio a Gaza, “Não exagero. Toda a sua civilização foi destruída” (9).

Entretanto, é necessário não sucumbir perante as aparências.

O massacre que está a acontecer ante os nossos olhos todos os dias, a cada hora, nos becos de Jabalya e nas ruas atulhadas de destroços em Gaza, não é uma guerra entre o estado de Israel e o Hamas. Desde logo, porque o Hamas não constitui um exército e a sua capacidade de resistência armada, fantasiada de forma deliberadamente desproporcionada pela propaganda israelita, é mais do que limitada. Qualquer paralelo, nesse particular, com o Hezbollah e a situação no Líbano é destituído de fundamento.

O Hamas é uma organização política, que pese embora as circunstâncias obscuras do seu surgimento, possui uma forte implantação popular, e é o partido maioritário no Parlamento Palestino.

Os bombardeamentos em curso matarão muita gente, destruirão edifícios, arruinarão a já debilitada economia da região, mas não poderão apagar a existência política das organizações da resistência palestina, entre as quais se conta o Hamas.

Mas não é apenas a natureza do Hamas que desmente a falsa equação que opõe Israel àquela organização. É sobretudo a política persistente e continuada de Israel em relação ao povo da Palestina que evidencia o logro com que a propaganda israelita procura confundir a opinião pública.

Senão veja-se o que se tem passado na Margem Ocidental do rio Jordão.

Ao contrário do que acontece em Gaza, a Autoridade Palestina e o Presidente Mahmoud Abbas mantém o controlo sobre as instituições palestinas.

Não consta que, daí, sejam lançados os tão famosos rockets sobre as cidades de Israel.

Ao longo dos últimos meses, e mesmo após o fracasso do processo de Annapolis, o governo de Olmert e a Autoridade Nacional Palestina têm mantido um diálogo mais ou menos contínuo.

Pergunta-se, e qual tem sido a realidade política no terreno?

Foi travada a construção de colonatos?

Foram levantados os postos de controlo do exército israelita e melhoradas as condições de circulação ao longo do território?

Foi interrompida a destruição de casas e de campos de cultivo, ou a anexação de terras?

Foi reprimida a violência dos colonos israelitas contra as aldeias palestinas?

Parou a construção do muro?

Interromperam-se as prisões arbitrárias, os assassinatos selectivos, a tortura nas prisões?

Melhorou a situação dos trabalhadores palestinos que se deslocam diariamente a Israel em busca de trabalho?

Suspendeu-se o plano de limpeza étnica e reordenamento urbanístico de Jerusalém oriental destinado a alterar a sua composição demográfica?

Numa palavra, foi de alguma forma interrompida a política de ocupação e anexação de território palestino, a meticulosa e planeada destruição das condições de existência do povo da Palestina?

Vale a pena a este propósito, coligir alguns dados.

Estão em curso, neste momento, por parte do governo de Israel, mais de 70 projectos de construção dispersos por nove colonatos na margem ocidental, num total de cerca de 4500 habitações, dos quais 94 por cento situam-se na área metropolitana de Jerusalém.

De acordo com dados do próprio governo de Israel, em Junho de 2008, estavam em construção, em colonatos da margem ocidental, com excepção de Jerusalém, 2893 habitações (10).

Nos onze meses após a Conferência de Annapolis, entre Dezembro de 2007 e Outubro de 2008, a construção pública de casas nos colonatos da margem ocidental, de novo sem incluir Jerusalém, registou um aumento de 33 por cento relativamente aos onze meses anteriores (11).

Entre Novembro de 2007 e Novembro de 2008, o número de licenciamentos para a construção nos colonatos aumentou dezassete vezes em relação a igual período do ano anterior, sendo que destes, 77 por cento situam-se nos colonatos localizados em Jerusalém Leste.

Sempre segundo dados do Governo Israelita citados pela OLP, existem planos para a construção, nos colonatos da parte oriental de Jerusalém, de perto de 10 mil novas casas.

Ao mesmo tempo, com a evidente cumplicidade do governo, surgiram na margem ocidental mais 125 colonatos ditos ilegais, sem que qualquer dos 110 previamente existentes tenha sido desmantelado (12).

De acordo com dados das Nações Unidas, nos primeiros 11 meses de 2007, e apenas na margem ocidental, 87 palestinos foram mortos e 1127 foram feridos em resultado das acções do exército israelita.

Nos onze meses seguintes, entre Novembro de 2007 e Novembro de 2008, sempre para a margem ocidental apenas, o número de vítimas mortais baixou para 51 (dos quais 11 são crianças) e o número de feridos subiu para 1210 (343 crianças) (13).

Segundo uma organização não governamental israelita, entre os dias 28 de Novembro de 2007 e 27 de Novembro de 2008, 338 casas de famílias palestinas foram destruídas na margem ocidental do rio Jordão (das quais 99 em Jerusalém Oriental), registando-se em relação a igual período do ano anterior, um aumento de 21 por cento (14).

O número de autorizações de residência a palestinos na zona de Jerusalém que foram revogados durante o ano de 2006 – últimos dados disponíveis – aumentou para 1363, o equivalente à soma dos últimos seis anos anteriores, segundo dados das Nações Unidas (15).

Entre 30 de Abril e 11 de Setembro de 2008, Israel estabeleceu 630 postos de controlo ao longo da margem ocidental o que constitui um aumento na ordem dos 68 por cento, desde Agosto de 2005, e de 12 por cento desde Novembro de 2007, e o número de postos móveis cresceu em 35 por cento (16).

Em 11 de Setembro de 2007, estava concluído o equivalente a 57 por cento do traçado do muro de separação na margem ocidental (415 dos 723 quilómetros previstos), estando então, em fase de construção, mais nove por cento (17).

Na frieza de todos estes números há gente concreta que vive e sofre, todos os dias, milhares e milhares de histórias que não cabem nos noticiários das agências de informação, destinos suspensos, homens e mulheres que teimam em reinventar em cada momento uma nova esperança, um povo que resiste teimosa e heroicamente à aniquilação.

A barbárie que varre, nestes dias, a faixa de Gaza é a face visível, mais brutal e sangrenta, da política continuada, meticulosa e surda, de ocupação sionista e de destruição do povo da Palestina. E assim como esta vai avançando silenciosamente, também a guerra, de forma lenta e quase imperceptível, abandona o topo dos alinhamentos noticiosos na televisão e nos jornais.

Gerações e gerações têm, assim, sido flageladas na mais impune crueldade: Deir Yassin, Sabra e Chatila, Jenin, Gaza.

Foi o Vice-Ministro da Defesa de Israel, Matan Vilnai que, em Fevereiro de 2008, antes portanto do início da trégua, ameaçou lançar sobre Gaza, cito, um “holocausto” (shoah) (18).

A ameaça está cumprida.

Hoje como no passado, famílias inteiras são devoradas no fogo da violência sem quartel.

Ontem mesmo, a imprensa noticiava a morte de nada menos que 60 pessoas de uma mesma família depois de repetidos bombardeamentos sobre as casas onde se tinham refugiado (19).

Mais de quinze mil pessoas, contas da UNRWA, vagueia pela faixa de Gaza na busca desesperada e infrutífera de um refúgio.

Muitos morrem soterrados sob os escombros dos edifícios em colapso.

Escolas, mesquitas e hospitais, infra-estruturas civis, instalações das Nações Unidas, não existem lugares seguros.

Todos são bombardeados, diga-se, sem nenhuma hesitação, de forma deliberada.

Perante esta a chacina, a equidistância é uma perversão, a neutralidade um crime, a solidariedade um imperativo ético.


1 Palestinian Center for Human Rights, “Press Release, 5 November 2008”, ref. 98/2008, e “Weekly Report on Israeli Human Rights Violations in the Occupied Palestinian Territory, nº 44/2008”, 30 October – 5 November 2008.
2 Palestinian Center for Human Rights, “Weekly Report on Israeli Human Rights Violations in the Occupied Palestinian Territory, nº 44/2008”, 30 October – 5 November 2008.
3 Palestinian Center for Human Rights, “Weekly Report on Israeli Human Rights Violations in the Occupied Palestinian Territory, nº 45/2008”, 6 – 12 November 2008.
4 Palestinian Center for Human Rights, “Weekly Report on Israeli Human Rights Violations in the Occupied Palestinian Territory, nº 48/2008”, 27 November – 3 December 2008.
5 Reuters, 05 Nov 2008 15:09:28 GMT, “Barak: Israel wants Gaza truce intact despite raid”.
6 Haaretz, 16 Dez.2008.
7 Haaretz, 27 Dez 08.
8 World Health Organization, West Bank and Gaza, “Access to Health Services for Palestinian people. Case studies of five patients in critical conditions who died while waiting the Gaza Strip”, April, 2008.
9 BBC News, 4 de Nov de 2008.
10 Israeli Central Bureau of Statistics, Monthly Bulletin of Statistics, “Dwellings by Construction Initiator and District” – http://www1.cbs.gov.il/reader/yarhon/yarmenu_e_new.html
11 Ministry of Construction and Housing, “Housing Starts Initiated by Ministry of Construction and Housing, By District – Urban and Rural Areas”, e “Housing Completions Initiated by Ministry of Construction and Housing, By District – Urban and Rural Areas, citado em PLO Negotiations Affairs Departement, Summary of Israeli Road Map Violations Since Annapolis, 28 November 2007 – 27 de November 2008. A página electrónica do Ministério da Habitação do Governo de Israel não apresenta os seus conteúdos em inglês, pelo que não foi possível fazer a confirmação destes dados.
12 PLO Negotiations Affairs Departement, “Summary of Israeli Road Map Violations Since Annapolis”, 28 November 2007 – 27 de November 2008. Não foi possível fazer a confirmação deste dado na informação electrónica disponibilizada pelo Governo israelita.
13 UN-Office for Coordenation of Humanitarian Affairs, “Protection of civilians database – Nov. 2008”.
14 The Israeli Committee Against House Demolitions, “Demolition Statistics Since 1967” - http://www.icahd.org/eng/
15 B'Tselem, Israeli Information Center for Human Rights in the Occupied Territories,
http://www.btselem.org/English/Jerusalem/Revocation_Statistics.asp
16 UN-Office for Coordenation of Humanitarian Affairs, “Closure Update: Occupied Palestinian Territory (30 April-11 September 2008).
17 Ibidem.
18 Guardian, 29.2.08, “Israeli minister warns of Palestinian 'holocaust'”. É a seguinte a frase de Vilnai: "The more Qassam [rocket] fire intensifies and the rockets reach a longer range, they will bring upon themselves a bigger shoah because we will use our might to defend ourselves”;
(http://www.guardian.co.uk/world/2008/feb/29/israelandthepalestinians1).
19 Telegraph, 6.01.09, “Israel strike kills up to 60 members of one family. Some of the Samouni family died from shrapnel wounds and others from being crushed by falling masonry”.

02 janeiro, 2009

A posição do CPPC sobre a situação em Gaza

O Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), de acordo com notícia do Público, baseado num despacho da Lusa, que a seguir transcrevo, exigiu no passado dia 30 de Dezembro, em conferência de imprensa, que Portugal e a União Europeia condenem os ataques de Israel a Gaza e pediu a implementação de políticas internacionais que ponham fim ao "desumano" bloqueio ao território.
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"O CPPC exige que o Governo português e a União Europeia condenem com vigor estes ataques e tomem todas as medidas ao seu alcance para que Israel ponha cobro de imediato a este criminoso massacre e ao desumano bloqueio à Faixa de Gaza e ainda às anunciadas intenções de avanço militar por terra", declarou hoje o representante do CPPC, Rui Rosa, numa conferência de imprensa sobre o conflito na Faixa de Gaza.
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"Estes ataques são um exemplo particularmente cruel da política de terrorismo de Estado que Israel pratica há várias décadas contra o povo da Palestina e o seu direito a constituir-se como Estado soberano", afirmou Rui Rosa, que lembrou que os recentes ataques israelitas, que tiveram início no passado fim-de-semana, já provocaram mais de 300 mortos e 1500 feridos.
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O representante do CPPC criticou ainda a União Europeia por tomar partido de forma "unilateral, não de maneira concertada", referindo-se às declarações de Angela Merkel. "Ainda ontem a chanceler alemã se pronunciou sobre essa matéria, responsabilizando directamente uma das partes, o Hamas, pelo agravamento do conflito", disse Rui Rosa.
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"Posso admitir que o ministro português dos Negócios Estrangeiros [Luís Amado] tivesse a intenção de contribuir com uma posição mais equilibrada sobre a situação que se vive no Médio Oriente. O facto é que a chanceler da principal potência política e económica europeia [Alemanha] se antecipou a dar o tom do que previsivelmente vai ser uma decisão da União Europeia", acrescentou.
É de referir que esta conferência de imprensa foi convocada conjuntamente pelas seguintes organizações:


  • CPPC - Conselho Português para a Paz e Cooperação


  • CGTP-IN - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses–Intersindical Nacional


  • MDM - Movimento Democrático de Mulheres


  • MPPM - Movimento pelos Direitos do Povo Palestiniano e pela Paz no Médio Oriente


  • Tribunal Mundial do Iraque


  • Comité de Solidariedade Palestina

01 janeiro, 2009

"Bombas em Gaza" - um blog na guerra


Faixa de Gaza bombardeada“ também referido como “Bombas em Gaza”, é um blog do repórter de guerra José Manuel Rosendo, enviado especial da Antena 1/RTP para seguir o desenrolar dos acontecimentos de Gaza.

José Manuel Rosendo segue os acontecimentos de longe já que Israel não tem permitido o acesso de jornalistas à Faixa de Gaza.

Parem a guerra em Gaza!

Este é o apelo de inúmeras organizações de mulheres israelitas, que transcrevo a seguir e que poderão encontrar em http://gazanow.wordpress.com/.

Parar a guerra em Gaza!

Desde sábado, 27 de Dezembro, que a Força Aérea Israelita tem bombardeado a Faixa de Gaza. Até hoje (terça-feira de manhã), mais de 374 pessoas foram mortas e mais de 800 ficaram feridas. As imagens de horror vindas de Gaza mostram sangue, partes de corpo e destruição por todo o lado. Os hospitais estão superlotados, enquanto o maior armazém de suprimentos médicos foi bombardeado. O governo israelita está ameaçando que isso é só o começo.
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Nós, Judeus e Palestinos cidadãos de Israel, estamos horrorizados com as acções do governo e do exército. Somos contra esta guerra e exigimos o fim do sofrimento infligido ao povo de Gaza.

Exigimos:

  • Um cessar-fogo imediato e o fim de todas as operações militares israelitas

  • O acesso imediato a Gaza para TODA a ajuda humanitária e para abastecimentos

  • O fim definitivo do cerco e de todas as restrições à circulação de pessoas e bens de e para Gaza.
Bombardeamento massivo e assassinato não são auto-defesa. As acções do governo israelita representam a principal ameaça para os moradores do sul de Israel e de Gaza. Quatro cidadãos israelitas já morreram no sul de Israel, devido a mísseis disparados em resposta a este ataque. Somos todos reféns do nosso governo.
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A ocupação israelita da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e todo o conflito no Médio Oriente são alimentados por interesses políticos e económicos internacionais. Esta guerra, também é apoiada no silêncio da União Europeia e do apoio dos E.U.A. no Conselho de Segurança da ONU. O sangue está nas suas mãos, assim como nas nossas.

Sozinhos não podemos parar esta guerra e o derramamento de sangue. Fazemos um apelo à comunidade internacional pedindo a sua ajuda.