25 abril, 2010

Recordações do dia 25 de Abril de 1974 - A manhã

Do dia 25 de Abril de 1974, uma quinta-feira, recordo-me do nascer do dia nublado; de ir para o trabalho e que ao iniciar a descida da álea superior do Parque Eduardo VII, vindo de Campo de Ourique, em direcção a S. Sebastião da Pedreira, e de me deparar, subitamente, com uma auto-metralhadora estacionada no cruzamento com a Avenida António Augusto de Aguiar. Travo o carro, então uma Diane branca, decidindo meia-volta de regresso a casa, para escapar a possíveis complicações.

Naquele tempo éramos quase todos suspeitos de sermos perigosos subversivos até prova em contrário. E até que aquela prova se produzisse, era uso "porrada de criar bicho".

(Curiosamente o troço de via pública acima referido passou a ser designada por Alameda Cardeal Cerejeira, 1) por edital da CM  de Lisboa, datado de 14 de Abril de 1982, então presidida pelo Eng.º Kruz Abecassis, do CDS, em representação da coligação PSD-CDS.)

Regressado a penates, abri o rádio, a televisão, escutando os comunicados do Posto de Comando do MFA, enquanto ia ligando para este e para aquele, a ver se entendia o que se passava.

Como estava fundeada uma esquadra da NATO no Tejo com saída prevista para essa manhã, resolvi ir com um amigo meu até Belém para confirmar a sua saída. Lá os vimos a desfilar e voltamos para almoçar em casa dele e continuar a tentar perceber o que de facto se estava a passar.

Mas as memórias do Chile assombrava-me, com os seus milhares de mortos e de desaparecidos e de dezenas de milhares de encarcerados. O 9/11 de 1973 da besta sanguinária de Pinochet tivera o beneplácito explícito, caso dos EUA, ou implícito da maioria das "democracias ocidentais" representadas na NATO.

Assim a saída da esquadra, cumprindo o calendário, nada queria dizer. O que aconteceu no Chile poderia fácilmente repetir-se em Portugal. Por outro lado a proximidade do regime de Franco, outro bárbaro sanguinário, que continuava a torturar e a assassinar pelo garrote ou pelo fuzilamento também era motivo para preocupação.

Acresce que o meu conhecimento dos quadros das nossas Forças Armadas, adquirido durante 4 anos de SMO, dois em Portugal Continental e outros dois em Angola, não era de molde a dar-lhes grandes créditos.

A agravar a minha leitura da situação, entre eles pontuavam figuras que sempre estiveram coniventes com o regime autoritário e repressivo de Salazar e Marcelo.


A primeira página do República entreabria a porta à esperança mas a dúvida subsistia: Golpe militar para derrubar o "tíbio" Marcelo ou algo de diferente que abrisse caminho à restauração das liberdades, direitos e garantias de um Estado democrático de direito?



Notas:
1) Entendi que seria de interesse para alguns, especialmente para os mais jovens,  terem presente quem foi MANUEL GONÇALVES CEREJEIRA, 14º Cardeal Patriarca de Lisboa, (1988-1977) e qual o papel  que a esmagadora maioria da hierárquia da Igreja Católica  desempenhou na sustentação da ditatura em Portugal e no prolongamento da Guerra Colonial. Os destaques são de minha responsabilidade.

Manuel Gonçalves Cerejeira foi ordenado sacerdote a 1 de Abril de 1911 e licenciou-se, em 1912, em Teologia pela Universidade de Coimbra, tendo sido
regente da cadeira de História Medieval na Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra, desde 1916.
 
Doutorou-se, a 30 de Janeiro de 1918, em Ciências Históricas e Geografia na Faculdade de Letras da mesma Universidade, com uma tese sobre o educador do Rei Cardeal Dom Henrique, Nicolau Clenardo.
 
Em 1919 foi nomeado professor, desempenhando, em seguida, os cargos de arquivista, paleógrafo e director do Arquivo da mesma Universidade.
 
Reestruturou, com o apoio de António de Oliveira Salazar, o Centro Académico de Democracia Cristã, um fórum de estudantes e professores, que defendia as teses das Encíclicas do Papa Leão XIII e que lutava contra os regimes republicanos, considerados como maçónicos, anticlericais e individualistas.
 
Para contrariar as ideias republicanas, colaborou como jornalista, desde 1908, com o jornal católico A Palavra e, fundou e dirigiu, entre 22 de Fevereiro de 1912 e 1914, o semanário O imparcial, publicação dos universitários católicos de Coimbra. A partir de 1914, colaborou e editou a revista católica Lusitânia.
 
Após a o golpe militar do 28 de Maio de 1926 e subsequente implantação de um regime ditatorial onde  a influência de Salazar crescia  vertiginosamente,  a carreira de Cerejeira na hierarquia da Igreja, seguiu o mesmo andamento.

Nomeado, a 23 de Março de 1928, Arcebispo de Mitilene, a 20 de Agosto desse ano, assumiu o cargo de Bispo Auxiliar do Patriarcado de Lisboa, tendo sido elevado a Patriarca de Lisboa a 18 de Novembro de 1929.

Em 1933, por designação do Episcopado Português, foi nomeado director nacional da Acção Católica.
 
Foi o grande impulsionador da Concordata assinada entre Portugal e a Santa Sé, em 7 de Maio de 1940 e contribuiu para o Acordo Missionário entre Portugal e a Santa Sé, concluido no mesmo ano.
 
A 26 de Maio de 1965, o Papa Paulo VI nomeou-o Vigário Castrense e, em 1966, foi nomeado Bispo das Forças Armadas.
 
Enquanto se manteve à frente do Patriarcado de Lisboa, o Cardeal Cerejeira esteve, quase sempre, em consonância, com o governo de Salazar, estando presente, ou fazendo-se representar, na maioria dos actos públicos, assim como nos discursos e escritos, nomeadamente, o Discurso à Juventude Portuguesa e A Opção Materialismo – Cristianismo, ambos editados, durante a crise estudantil de 1962.
 
Mediou, em 1960, durante o papado de Paulo VI, o conflito entre a Santa Sé e Portugal, devido ao colonialismo e por aquela Eminência ter recebido, no Vaticano os líderes dos movimentos africanos de libertação, que lutavam contra Portugal.
 
Não interveio no encerramento do jornal O Trabalhador, fundado pelo padre Abel Varzim mas silenciou o exílio de D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto.

Em conclusão Cristo expulsou os fariseus do Templo, Cerejeira não só abriu as portas do Templo, como apoiou os crimes da ditatura, quer no plano nacional, quer no plano colonial.

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