Esta é a crónica de Uri Avnery datada de há uma semana atrás e que só agora é publicada por manifesta falta de recursos na oportunidade.
Continuamos a solicitar o apoio de tradutor@s pro bono, bem como de colaborador@s que tenham interesse por esta causa.
Barack Obama é frequentemente comparado a Franklin Delano Roosevelt, mas é de um outro Roosevelt que ele segue o exemplo: O Presidente Theodore Roosevelt, que, 108 anos atrás, aconselhou os seus sucessores: "Falem suavemente e tenham na mão um grande pau!".
Esta semana, o mundo inteiro viu como isso é feito. Obama, sábado no Gabinete Oval, lado a lado com Binyamin Netanyahu, falou aos jornalistas. Estava sério, mas descontraído. A linguagem corporal falou claramente: Netanyahu inclinando-se assiduamente para a frente, como um bufarinheiro vendendo a sua mercadoria, Obama inclinado para trás, tranquilo e seguro de si.
Ele falou suavemente, muito suavemente. Mas inclinado contra a parede por detrás dele, escondido pela bandeira, estava na verdade um grande pau.
O MUNDO queria, naturalmente, saber o que se passou entre os dois quando se encontraram sozinhos.
Regressado a casa, Netanyahu esforçadamente tentou apresentar a reunião como um grande sucesso. Mas após os holofotes desligados, o tapete vermelho enrolado, podemos analisar o que tínhamos realmente visto e ouvido.
Entre as suas grandes proezas, Netanyahu enfatizou a questão iraniana. "Chegámos a um acordo completo", anunciou orgulhosamente uma e outra vez.
Acordo sobre o quê? Sobre a necessidade de impedir o Irão de obter "capacidade nuclear militar".
Só um momento. O que é que ouvimos, "militar"? De onde é que esta palavra apareceu de surpresa? Até agora, todos os governos israelitas insistiram que o Irão deveria ser impedido de adquirir qualquer capacidade nuclear de todo. A nova fórmula significa que o governo Netanyahu aceita agora, que o Irão tenha uma "não militar" - que nunca está muito longe da "militar" - capacidade nuclear.
Esta não é a única derrota de Netanyahu sobre a questão iraniana.
Antes da sua viagem, exigiu que Obama desse ao Irão apenas três meses, " até Outubro", e que, depois "todas as opções estariam sobre a mesa". Um ultimato, que incluía uma ameaça militar.
Nada disto ficou.
Obama disse que iria conduzir um diálogo com o Irão até o final do ano, e que então teria de avaliar o que tinha sido alcançado e considerar o que fazer a seguir. Se ele chegasse à conclusão de que não tinha havido progresso, tomaria novas medidas, incluindo a imposição de sanções mais severas.
A opção militar tinha desaparecido.
É verdade que, antes da reunião Obama dissera a um jornal que "todas as opções estão sobre a mesa", mas o facto de que ele não o repetir na presença de Netanyahu diz tudo.
Sem dúvida que Netanyahu pediu permissão para atacar o Irão, ou - no mínimo – para ameaçar de tais ataques. A resposta foi um Não absoluto.
Obama está decidido a evitar um ataque israelita. Ele tem alertado o governo de Israel de forma inequívoca. Só para ter a certeza de que a mensagem teria sido adequadamente absorvida, enviou o chefe da CIA a Israel para a entregar pessoalmente a todos os líderes israelitas.
O plano israelita para um ataque militar ao Irão foi retirado da mesa - se alguma vez esteve lá.
Netanyahu pretendia ligar o Irão com a questão palestina, de forma negativa: enquanto existir o perigo iraniano, a questão palestina não pode ser tratada.
Obama inverteu a fórmula e fez uma ligação positiva: progressos na questão palestina são uma condição prévia para um progresso sobre a questão iraniana.
Isto faz sentido: os conflitos não resolvidos estão a alimentar o Irão, dando-lhe um motivo para ameaçar Israel e enfraquecer a oposição, do Egipto e da Arábia Saudita, às ambições do Irão.
A principal mensagem de Obama diz respeito a uma questão que retornou ao centro da cena esta semana: colonatos.
Esta palavra praticamente desaparecera durante o reinado de Bush, o Júnior. É verdade, que todas as administrações dos E.U.A. se opuseram à expansão dos colonatos, mas, desde a fracassada tentativa, de James Baker, o secretário de Estado de Bush, o Velho, de impor sanções a Israel, ninguém mais se atreveu a fazer qualquer coisa acerca disso. Em Washington resmungam, com os fundamento que criaram. Em Jerusalém dissimulam, e sobre o terreno, construíram.
Como um chefe palestino observou: "Estamos a negociar sobre a divisão da pizza e, entretanto, Israel já está comendo."
Tem de ser repetido uma e outra vez: os assentamentos são um desastre para os palestinos, um desastre para a paz e uma dupla ou tripla catástrofe para Israel.
Primeiro, porque o seu principal objectivo é fazer com que o estabelecimento de um Estado palestiniano seja impossível e, assim, impedir a paz para sempre.
Em segundo lugar, porque eles sugam a medula da economia israelita e engolem recursos que deveriam ser utilizadas para ajudar os pobres.
Terceiro: porque os colonatos minam o Estado de direito em Israel, propagam o cancro do fascismo e empurram todo o sistema político para a direita.
Portanto Obama está certo quando coloca a questão dos colonatos à frente de tudo o resto, mesmo à frente das negociações de paz. Uma paragem total na construção dos colonatos vem antes de qualquer outra coisa. Quando um corpo sangra, a hemorragia tem de ser estancada antes de que a doença possa ser tratada. Caso contrário, o paciente vai morrer de perda de sangue e não haverá ninguém para tratar. Este é precisamente o objectivo de Netanyahu.
Esta é a razão porque Netanyahu se recusou a aceder ao pedido. De outra forma a sua coligação iria por água abaixo e seria obrigado a demitir-se ou a criar uma coligação alternativa com o Kadima. A infeliz Tzipi Livni, que não encontrou um papel na oposição, provavelmente não deixaria escapar a oportunidade.
Netanyahu tentará usar Barak contra Barack.
Com a ajuda de Ehud Barak está colocando em cena uma performance de "demolir postos avançados", a fim de desviar a atenção da construção em curso nos colonatos. Veremos se este truque tem sucesso e se a liderança dos colonos vai desempenhar o seu papel nesta charada. No dia seguinte ao regresso de Netanyahu, Ehud Barak demoliu pela sétima vez (!) Maoz Esther, um posto avançado composto de sete cabanas de madeira. Poucas horas depois, os colonos regressaram ao local.
(O exército israelita construiu uma aldeia Árabe, inteira, no Negev para fins de treino. Alguém ironizou esta semana que o exército também tinha construído este posto avançado que é lotado com soldados disfarçados de colonos, de modo que pode ser demolido, cada vez que exista pressão da América. Depois os soldados constroem tudo de novo, pronto para ser utilizado na próxima vez que a pressão seja exercida).
A RECUSA DE congelar os colonatos significa a recusa de aceitar a solução dos Dois Estados. Em vez disso, Netanyahu faz malabarismos com slogans vazios. Fala sobre "dois povos que vivem juntos em paz", mas recusou-se a falar de um Estado palestino.
Um dos seus assessores apelidou a exigência dos Dois Estados de "jogo infantil". Mas este não é, de todo, um jogo infantil. Já foi provado que, negociações onde os objectivos não tenham sido previamente definidos, não levam a qualquer lugar. O Acordo de Oslo colapsou precisamente por este motivo. Netanyahu espera que a próxima ronda de negociações, também fracasse por causa disso.
Ele não apresentou um plano de sua própria iniciativa. Não porque não tenha nenhum plano, mas porque ele sabe que ninguém o iria aceitar.
O plano de Netanyahu é: o total controlo israelita sobre todo o território entre o Mar Mediterrâneo e o rio Jordão. Ilimitada colonização judaica por todo o lado. Limitado auto-governo para uma série de enclaves palestinos com uma densa população palestina, que serão cercados por colonatos. Jerusalém, na sua totalidade permanecerá como parte de Israel. Nem um único refugiado palestino regressará ao território de Israel.
Esta mercadoria não vai encontrar compradores no mundo inteiro. Então Netanyahu, um vendedor profissional, tenta embrulhá-la num belo pacote.
Por exemplo: os palestinianos vão "governar-se a eles próprios".
Onde exactamente? Aonde serão as fronteiras? Ele já declarou que os palestinos não podem ter controlo sobre "o seu espaço aéreo ou as suas fronteiras". Um estado sem forças armadas e sem controlo sobre o seu espaço aéreo e as passagens de fronteira – parece-se suspeitosamente com os Bantustans do falecido regime racista de apartheid na África do Sul.
Eu não ficaria surpreso se, em qualquer momento no futuro, Netanyahu começasse a chamar a estas reservas nativas "um Estado palestiniano".
No entretanto, ele tenta ganhar tempo e adiar as negociações o mais tempo possível.
Ele exige que os palestinos reconheçam Israel como "o estado do povo judeu", esperando e tendo esperança que eles rejeitarão esta ideia com as duas mãos. E, de facto, aceitar isso significaria desistir desde logo, do seu principal trunfo - a questão dos refugiados - e também espetar uma faca nas costas dos 1,5 milhões de palestinos que são cidadãos de Israel.
Netanyahu está pronto para aceitar a proposta de Obama de envolver os estados árabes e outros estados muçulmanos no processo de paz - uma ideia que tem sido sempre rigorosamente rejeitada por todos os governos de Israel. Mas isto é apenas mais um dos coelhos que ele vai tirar do seu chapéu de tempos a tempos, a fim de adiar tudo.
Antes de dezenas de estados árabes, e talvez mais de cinquenta estados muçulmanos decidirem aderir ao processo, meses, talvez anos, vão passar. E, entretanto, Netanyahu exige deles um pagamento adianto, sob a forma da normalização - o que significa que todo o mundo árabe e muçulmano daria o seu único trunfo sem obter nada em troca. Pura gorjeta.
Este é o plano de trabalho de Netanyahu.
TEM Obama um plano de paz?
Se colocarmos todas as suas declarações dos últimos dias juntas, parece que ele tem.
Quando ele fala de "dois Estados para dois povos", praticamente aceita o plano de paz que, por agora, se tornou um consenso em todo o mundo: como os "parâmetros" apresentadas por Bill Clinton, nos seus últimos dias de mandato; como a parte central da proposta de paz saudita; e como os planos de paz do movimento da paz israelita (o projecto de acordo de paz da Gush Shalom, a iniciativa de Genebra, a declaração Ayalon-Nusseibeh e mais).
Em suma: um Estado Palestino soberano e viável, lado a lado com Israel; as fronteiras pré-1967 - com pequenas e acordadas trocas territoriais; o desmantelamento de todos os colonatos que não fiquem ligados a Israel, nas trocas territoriais; Jerusalém Oriental como capital da Palestina e Jerusalém Ocidental como capital de Israel; uma solução mutuamente aceitável para o problema dos refugiados; uma passagem segura entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza; acordos mútuo em matéria de segurança.
ENTRETANTO, por todo o mundo, há um consenso crescente de que a única maneira de pôr as rodas da paz em movimento novamente será Obama publicar o seu plano de paz e convocar ambas as partes a aceitá-lo. Se necessário, em referendos populares.
Obama poderia fazer isso no discurso que fará daqui a cerca de uma semana no Cairo, durante a sua primeira visita presidencial ao Médio Oriente. Não é por acaso, que não irá a Israel durante esta visita, algo quase sem precedentes para um presidente dos E.U.A.
Para fazer isso, deve estar pronto para confrontar o poderoso lobby israelita. Parece que está pronto para isso. O último presidente que se atreveu a fazer isso foi Dwight D. Eisenhower, que obrigou Israel a devolver o Sinai logo após a guerra 1956. "Ike" foi tão popular que não tinha receio do lobby. Obama não é menos popular, e talvez tenha a mesma ousadia.
Como "Teddy" Roosevelt sugeriu: quando alguém tem um grande pau, não tem que o brandir. Pode dar-se ao luxo de falar suavemente.
Espero que Obama irá efectivamente falar suavemente - mas de forma clara e inequívoca.