29 outubro, 2009

Jornalista Amira Hass distinguida com o Prémio Carreira 2009 pela International Women's Media Foundation.


Recordo que Amira Hass é uma proeminente jornalista e escritora israelita conhecida principalmente pela sua coluna no jornal Ha'aretz.

Filha de dois sobreviventes do Holocausto (Bergen-Belsen), Amira Hass nasceu em Jerusalém, e foi educada na Universidade Hebraica de Jerusalém, onde estudou a história do nazismo e da Esquerda Europeia face ao Holocausto.

Amira Hass jornalista israelita foi distinguida com o Prémio Carreira 2009 instituido pela International Women's Media Foundation.

"Porque em quase 20 anos, Amira Hass, escreveu criticamente sobre os dois poderes: o Israelita e o Palestino. Repórter e colunista do diário Ha'aretz, demonstrou na sua narrativa a capacidade de desafiar os limites do sexo, etnia e nacionalidade na busca da verdade. Na cobertura dos Territórios Palestinianos Ocupados, o seu objetivo foi oferecer aos seus leitores informações detalhadas sobre as políticas de Israel e, especialmente, sobre as restrições à liberdade de movimento. Por muitos anos, ela viveu primeiro na cidade de gaza e depois em Ramallah."

No seu discurso, na cerimónia de entrega dos prémios de 2009, afirmou:


"Allow me to start with a correction. How impolite, you’d rightly think, but anyway, we Israelis are being forgiven for much worse than impoliteness.
What is so generously termed today by the International Women’s Media Foundation as my lifetime achievement needs to be corrected. Because it is Failure. Nothing more than a failure. A lifetime failure.
Come to think of it, the lifetime part is just as questionable: after all, it is about a third of my life, not more, that I have been engaged in Journalism.
Also, if the ‘lifetime’ part gives you the impression that I am soon going to retire - then this impression has to be corrected as well. I am not planning to end soon what I am doing.
What am I doing? I am generally defined as a reporter on Palestinian issues. But, in fact, my reports are about the Israeli society and policies, about Domination and its intoxications. My sources are not secret documents and leaked out minutes which were taken at meetings of people with Power and in Power. My sources are the open ways by which the subjugated are being dispossessed of their equal rights as human beings.
There is still so much more to learn about Israel, about my society, and about Israeli decision makers who invent restrictions such as: Gazan students are not to study in a Palestinian university in the West Bank, some 70 km’s away from their home. Another ban: Children (above the age of 18) are not to visit their parents in Gaza, if the parents are well and healthy. If they were dying, Israeli order-abiding officials would have allowed the visit. If the children are younger than 18 - the visit would have been allowed. But, on the other hand, second degree relatives are not allowed to visit dying or healthy siblings in Gaza.
It is an intriguing philosophical question, not only journalistic. Think of it: what, for the Israeli System, is so disturbing, about reasonably healthy fathers or mothers? What is so disturbing about a kid choosing and getting a better education? And these are but two in a long, long list of Israeli prohibitions.
Or when I write about the progressively decimated and fragmented Palestinian territory of the West Bank. It’s not just about people losing their family property and livelihood; it’s not only about the shrinking opportunities of people in disconnected, crowded enclaves. It is in fact a story about the skills of Israeli architects. It is a way to learn about how Israeli on the-ground planning contradicts official proclamations, a phenomenon which characterizes the acts of all Israeli governments, in the past as in the present. In short, there is so much to keep me busy for another lifetime, or at least for the rest of my lifetime.

But, as I said, the real correction is elsewhere. It’s not about achievement that we should be talking here, but about a failure.
It is the failure to make the Israeli and international public use and accept correct terms and words - which reflect the reality. Not the Orwelian Newspeak that has flourished since 1993 and has been cleverly dictated and disseminated by those with invested interests.
The Peace Process terminology, which took reign, blurs the perception of real processes that are going on: a special blend of military occupation, colonialism, apartheid, Palestinian limited self-rule in enclaves and a democracy for Jews.
It is not my role as a journalist to make my fellow Israelis and Jews agree that these processes are immoral and dangerously unwise. It is my role, though, to exercise the Right for freedom of the Press, in order to supply information and to make people know. But, as I have painfully discovered, the right to know does not mean a duty to know.
Thousands of my articles and zillion of words have evaporated. They could not compete with the official language that has been happily adopted by the mass media, and is used in order to dis-portray the reality. Official language that encourages people not to know.
Indeed, a remarkable failure for a journalist."

Amira Hass recebeu em 2000, o prémio Press Freedom Hero instituído pelo International Press Institute, em 2002, o galardão Bruno Kreisky Human Rights Award, em 2003, o prémio da UNESCO, Guillermo Cano World Press Freedom Prize, e em 2004, o galardão inaugural atribuído pelo Anna Lindh Memorial Fund.

11 outubro, 2009

Israelita, Nobel da Química 2009, pede: Liberdade para todos os presos palestinos

A israelita, Ada Yonath, laureada com o Prémio Nobel da Química 2009, declarou no passado sábado que Israel deveria libertar todos os presos palestinos, segundo um despacho da AFP e notícia no Haaretz.

"Precisamos libertar todas as pessoas a que chamamos de terroristas e não só para obter em troca o soldado Gilad Shalit", declarou Yonath à rádio militar israelita.

"Se nós mantemos prisioneiros palestinos em cativeiro por anos a fio, o ressentimento das suas famílias contra Israel irá crescer e assim estamos activamente a fabricar terroristas", acrescentou a cientista.

Segundo ela, o desespero incita os palestinos a cometerem atentados suicidas: "isto não acontece com pessoas que têm um horizonte e uma esperança na vida".

E acrescentou "num estado de desespero tal, têm todos os motivos para aproveitar a oportunidade para melhorar as suas perspectivas de uma melhor vida após a morte."

Israel mantêm hoje cerca de 11.ooo palestinos detidos nas suas prisões. É de referir que, de acordo com as estatísticas da organização humanitária Defence for Children International, Secção Palestina, à data de 30 de Setembro, entre esses prisioneiros contavam-se 326 crianças.

Ada Yonath trabalha em Israel, onde é actualmente professora e directora de pesquisas do Instituto de Ciências Weizmann de Rehovot e foi a primeira mulher israelita a conquistar o Prémio Nobel.

03 outubro, 2009

Uma história de traição, por Uri Avnery

HOJE [3 de Outubro] É o 1.196º dia de cativeiro para o soldado Gilad Shalit.

Um prisioneiro de guerra não deve ser deixado em cativeiro. Um soldado ferido não deve ser deixado no campo de batalha. O Estado subscreve um contrato não escrito [nesse sentido] com cada pessoa que se alista nas forças armadas, e sobretudo claramente com todos os que servem numa unidade de combate.

O comportamento dos governos israelitas nestes 1 196 dias, dos políticos e dos generais que são responsáveis por este escândalo, é uma violação do presente contrato, uma traição da confiança. Em suma: uma infâmia. Isto exaspera e enfurece todas as pessoas decentes e não apenas os combatentes.

A TRAIÇÃO já está na terminologia utilizada. Nas palavras do Livro dos Provérbios (18:21): "A morte e a vida dependem da linguagem".

Um soldado capturado pelo inimigo numa acção militar é um prisioneiro de guerra - em todas as línguas, em todos os países.

Gilad Shalit foi capturado numa acção militar. Ele era um soldado armado em uniforme. Neste contexto, não importa se a acção em si foi legal ou ilegal, e se os captores eram soldados regulares ou guerrilheiros.

Gilad Shalit é um prisioneiro de guerra.

A NEGAÇÃO começou no primeiro momento. O governo de Israel recusou-se a chamar a captura pelo seu nome próprio e insistiu que se tratava de um "rapto" ou mesmo de "sequestro".

A disciplinada média israelita, marchando atrás dos generais a passo certo como guarda prussiana, juntou-se ao coro. Nem um único jornal, nem uma única rádio ou apresentador de TV falou sobre o "prisioneiro de guerra". Todos eles, quase sem excepção, desde o primeiro dia, falaram sobre o soldado "raptado" ou " sequestrado".

As palavras são importantes. Todos os exércitos estão familiarizados com a troca de prisioneiros de guerra. Geralmente, isso acontece após o fim das hostilidades, por vezes, enquanto a guerra ainda está em curso. O Exército liberta os combatentes inimigos em troca da libertação dos seus soldados capturados.

Isto não se aplica a pessoas raptadas. Quando os criminosos raptam uma pessoa e a mantêm para resgate, a questão está em saber se o preço deve ser pago. O pagamento pode incentivar mais raptos e recompensar os criminosos.

No momento em que Gilad foi definido como "raptado", ele foi condenado ao que se seguiu.

Ele também perdeu a sua honra como um soldado. Um soldado não é "raptado". Os milhões de soldados capturados durante a II Guerra Mundial - alemães, russos, britânicos, americanos e todos os outros - ter-se-iam sentido ofendidos por qualquer insinuação de que eles foram "raptados".

O MAIOR perigo que paira sobre a cabeça do soldado Gilad desde que caiu em cativeiro não vem do Hamas, mas do nosso próprio exército [israelita].

Ficou claro que, dada uma oportunidade, o exército iria tentar libertá-lo pela força. Isto está profundamente enraizado no seu etos básico: Nunca ceder a "raptores".

Se eu fosse o pai de Gilad e um homem de oração, rezaria todos os dias: Por favor, meu Deus, não consinta que o exército descubra onde Gilad está sendo mantido!

Os chefes do nosso Exército estão preparados para expor a riscos imensos prisioneiros, a fim de libertá-los pela força, em vez de trocá-los por prisioneiros palestinos. Para eles é uma questão de honra.

Numa operação deste tipo, as vidas dos libertadores são colocados em risco. Mas, acima de tudo, é a vida do prisioneiro que está em perigo.

Uma das operações mais célebres nos anais do Exército israelita realizou-se em Entebe, em Julho de 1976. Ela libertou os 98 passageiros de um avião da Air France sequestrado, que tinha sido forçado a aterrar no aeroporto de Entebe, no Uganda. A operação provocou admiração em todo o mundo. Apenas um dos libertadores perdeu a vida - o irmão de Binyamin Netanyahu.

Na subsequente intoxicação de sucesso, um facto foi esquecido: na ousada operação enormes riscos foram assumidos. Se apenas um detalhe da complexa acção tivesse corrido mal, teria significado um desastre para os passageiros sequestrados. Poderia ter terminado num banho de sangue. Visto que teve êxito, ninguém se atreveu a levantar questões.

Os resultados da operação para libertar os atletas sequestrados nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972 foram muito diferentes. Quando a polícia alemã, com o incentivo do governo de Golda Meir, tentou libertá-los pela força, todos os atletas perderam as suas vidas. A maioria deles provavelmente foi morta por balas das armas dos polícias alemães. De Como de outra forma explicar o facto de, até ao dia de hoje, os governos de Israel e da Alemanha, se recusarem ambos a divulgar os resultados das autópsias?

O mesmo aconteceu dois anos depois, quando o exército israelita recebeu ordens de Golda Meir e Moshe Dayan para libertar a 105 crianças que estavam sequestradas por comandos palestinos no norte da cidade israelita de Ma'alot. A acção fracassou, e 22 crianças e 3 professores perderam as suas vidas. Neste caso, também, parece que alguns - se não todos - foram mortos pelas balas dos libertadores. Os relatórios destas autópsias também permanecem sem divulgação.

O mesmo aconteceu em 1994 quando o Exército tentou libertar o "raptado" soldado Nachshon Waxman, na Cisjordânia. O exército tinha a informação exacta, a acção foi planeada meticulosamente, algo deu errado, e o prisioneiro foi morto.

Recentemente soube-se que um oficial superior havia exortado os seus soldados a cometer suicídio em vez de serem capturados. E deu ordens para disparar sobre os "raptores", mesmo quando isso signifique pôr em perigo a vida do soldado capturado.

É bem possível que um dos motivos para o prolongamento do sofrimento de Gilad Shalit resida na esperança dos chefes do exército em obter informações sobre o seu paradeiro, para tentar libertá-lo pela força. Não é segredo que a Faixa de Gaza está cheia de informadores. As dezenas de "assassinatos selectivos" e muitas das acções da operação "Lead Cast" não teria sido possível sem uma densa rede de colaboradores, recrutados durante os longos anos de ocupação.

Incrivelmente - roça o milagre - o serviço de segurança de Israel tem sido incapaz de cumprir essa esperança. Parece que os captores de Shalit estão a conseguir manter sigilo rigoroso. O que, por sinal, explica porquê os seus captores se recusavam terminantemente a que ele se reunisse com os representantes da Cruz Vermelha Internacional e a transportar cartas, de e para ele, incluindo encomendas (que bem poderiam ter contido sofisticado equipamento de localização). Isso poderá ter salvado a sua vida.

Pode-se supor que o vídeo, que foi transmitida ontem pelo mediador alemão, em troca da libertação de 21 prisioneiros palestinos do sexo feminino, foi meticulosamente preparado de forma a impedir qualquer possibilidade de identificar o lugar onde ele está sendo retido.

ESTE CASO também demonstra a superioridade absoluta da máquina de propaganda israelita sobre todos os concorrentes - se houver algum.

A média mundial adoptou, quase sem excepção, a terminologia israelita. Por todo o mundo, falam sobre o "raptado" soldado israelita, em vez de um prisioneiro de guerra. Jornal britânico ou alemão, que usa essa palavra não sonharia aplicá-la a um dos seus próprios soldados no Afeganistão.

O nome do soldado Gilad Shalit foi proferido pelos líderes do mundo como se ele fosse, pelo menos, um deles. Nicolas Sarkozy e Angela Merkel falaram livremente sobre ele, certos de que os seus ouvintes em casa sabiam quem era ele. Libertar o soldado israelita "raptado" tornou-se um objectivo declarado de vários governos.

Esta formulação é, por si só um triunfo para a propaganda israelita. As negociações são sobre uma troca de prisioneiros entre Israel e o Hamas, com mediação alemã e/ou egípcia. Uma troca de prisioneiros tem dois lados - Shalit, de um lado, os prisioneiros palestinos, do outro. Mas em todo o mundo, como em Israel, eles falam apenas sobre a libertação do soldado israelita. Os prisioneiros palestinos a libertar são apenas objectos, mercadoria, e não seres humanos. Mas não contam eles também os dias, assim como os seus pais e os seus filhos?

O maior obstáculo para essa troca é mental, uma questão de linguagem. Se tivesse sido sobre "combatentes palestinos" não teria havido nenhum problema. A libertação de combatentes em troca de um combatente. Mas ao nosso governo - como todos os governos coloniais antes dele - não é possível reconhecer os habitantes locais revoltados, como "combatentes" que agem no serviço de seu povo. O etos colonial - como o "código ético" do nosso ético Professor Assa Kasher - exige que eles sejam chamados de "terroristas", com "sangue nas mãos", criminosos ignóbeis, vis assassinos.

Uma comovedora música irlandesa conta a história de um irlandês combatente da liberdade que, na manhã da sua execução, pede para ser tratado como um "soldado irlandês" e assim ser fuzilado, e não "enforcado como um cão". O seu pedido foi negado.

Quando se fala sobre a libertação de "centenas de assassinos", em troca de um soldado israelita, qualquer um confronta-se com um enorme obstáculo psicológico. A morte e a vida dependem da linguagem.

EM VÁRIOS aspectos, o caso do soldado Gilad Shalit pode ser visto como uma metáfora para todo o conflito histórico.

Palavras emotivas ditam o comportamento dos líderes. As narrativas diferentes e opostas impedem um entendimento entre as partes, mesmo sobre assuntos de menor importância. Os obstáculos psicológicos são imensos.

A grande superioridade da propaganda do governo israelita, tão claramente demonstrada no caso Shalit, também já está sendo testada na questão do relatório Goldstone. Os esforços do governo israelita para impedir o envio do relatório ao Conselho de Segurança das Nações Unidas ou à Assembleia Geral, ou ao Tribunal Penal Internacional em Haia, são agora apoiados pelo presidente Barack Obama e pelos líderes europeus. Os habitantes da Faixa de Gaza, como os palestinos nas prisões israelitas, tornaram-se meros símbolos, objectos sem um rosto humano.

E acerca de Gilad Shalit: as negociações devem ser aceleradas, a fim de efectuar uma troca de prisioneiros num futuro muito próximo. Até então, os mediadores devem assumir um compromisso inequívoco de que não haverá esforços para o libertar pela força, em troca de um acordo com o Hamas para que o deixe encontrar-se com os representantes da Cruz Vermelha, e talvez também com a sua família.

Tudo o resto é manipulação e hipocrisia.